O erro foi atribuir o ICMS aos estados. Nos outros
países, o tributo cabe ao governo central, que o reparte
com as outras esferas. É que essa forma de tributar
precisa ser harmônica.
A carga tributária atingiu 35,8% do PIB. Chegou a hora
da reforma? Difícil. Ilude-se quem espera mudança e
simplificação. Pode até piorar, caso passe o projeto que
está no Congresso, que muda ou cria 381 normas.
Países de renda média como o Brasil têm carga tributária
em torno de 20% do PIB. Casos de Chile, México e China.
A nossa é semelhante às de Inglaterra, Alemanha e Nova
Zelândia. Supera as de Canadá, Japão e Suíça. É 27%
maior do que a dos EUA. Parece buscar o nível dos países
nórdicos (perto de 50% do PIB).
A carga tributária dos países ricos reflete sua renda e
riqueza. Nos acima mencionados, a renda per capita
média, pela paridade do poder de compra, é quatro vezes
a brasileira. Por isso, pelo menos a metade de sua
arrecadação vem da tributação da renda e da propriedade
(23% no Brasil).
Em 1988, nossa carga era de 22,4% do PIB. Sua
impressionante elevação derivou da farra fiscal da
Constituição de 1988 e, a partir do Plano Real (1994),
de aumentos reais de 120% do salário mínimo, que
reajusta dois de cada três benefícios do INSS.
A Constituição foi um desastre fiscal em quatro atos:
(1) aumentos insustentáveis de aposentadorias; (2)
vantagens obscenas para servidores públicos; (3) maiores
vinculações de receitas a despesas e transferências da
União para estados e municípios; e (4) atribuição de
poderes aos estados para legislar sobre o ICMS.
Antes, em 1965, havíamos herdado um razoável sistema
tributário. Introduziu-se a tributação do consumo pelo
valor agregado, mais racional e hoje praticada em mais
de 100 países. O Brasil, pioneiro na América Latina com
o IPI e o ICM (depois ICMS), o adotou antes de países
europeus.
O erro foi atribuir o ICMS aos estados. Nos outros
países, o tributo cabe ao governo central, que o reparte
com as outras esferas. É que essa forma de tributar
precisa ser harmônica no mesmo espaço econômico. Daí a
prioridade que os países integrantes da União Europeia
atribuem à harmonização.
No início, uma lei complementar e o Senado fixavam as
normas e alíquotas do ICM, respectivamente. Brechas
legais provocaram guerra fiscal, exigindo a criação de
um conselho com representantes da União e dos estados (o
Confaz) para harmonizar as regras. Se envolvessem
incentivos fiscais, precisavam de aprovação unânime.
A Constituição confundiu harmonia com autoritarismo e
liberou geral. Os estados ganharam o poder de legislar
sobre o ICMS. Surgiram 27 legislações e incontáveis
normas e alíquotas. Uma bagunça. Ultimamente, no combate
cego à sonegação, os estados ampliaram o uso da
substituição tributária, pela qual o ICMS é cobrado na
fonte de produção. Mais bagunça, distorções e perda de
eficiência econômica.
De 1988 até agora, os gastos com pessoal, previdência,
vinculações, juros e outros igualmente obrigatórios
formaram uma despesa pública rígida de 35% do PIB. Foi
preciso aumentar tributos para financiar a festa. Três
quartos da elevação se explicam pelos gastos
previdenciários, que passaram de 4% para 13% do PIB de
1988 para cá.
Dado o nosso nível de renda, recorreu-se crescentemente
a impostos sobre o consumo e cada vez mais sobre setores
que não sonegam: automóveis, combustíveis, energia
elétrica e telecomunicações, dos quais vem mais da
metade da arrecadação do ICMS. O Brasil se tornou
campeão de tributação nesses setores. Novas distorções.
Os tributos sobre o consumo penalizam mais as classes de
menor renda. Entre 1996 e 2008, passaram a representar
54% da renda das famílias que ganham até dois salários
mínimos, contra 29% das que percebem mais de trinta
salários. Nesse período, o aumento da carga foi pior
para as famílias pobres: tomou mais 26% de sua renda
(11% nas maiores rendas). O sistema tributário ficou
socialmente perverso.
A rigidez da despesa inibe a redução da carga
tributária. A substituição tributária agrava os efeitos
distorcivos do ICMS. O aumento dos gastos correntes, que
piorou no governo Lula, escanteia os investimentos.
Mudar tudo isso implica contrariar poderosos interesses
e enfrentar complexas negociações. Não há liderança
política disponível para o desafio. Ainda bem que o
Brasil tem dado certo em outras áreas.
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