É senso comum que os seres humanos raciocinam através de
dois sistemas distintos, mas que interagem entre si:
intuitivo e lógico. Existe também o instintivo, mas
vamos deixá-lo de lado, porque ele não interfere tanto
nos processos opinativos e decisórios empresariais.
O raciocínio intuitivo opina e decide automática e
rapidamente (sem pensar) com base, ou nas habilidades
adquiridas (ações repetidas ao longo do tempo como falar sem pensar, dirigir um carro, compras repetidas, etc.),
ou heuristicamente (associação da decisão nova com
decisões aparentemente semelhantes tomadas anteriormente
e armazenados na memória subconsciente ou inconsciente).
O RACIOCÍNIO INTUITIVO OPINA E DECIDE RÁPIDO E SEM MUITO
CRITÉRIO
O raciocínio intuitivo opina e decide rápido e sem muito
critério, por isso ele é muito propenso a cometer erros
grosseiros como, por exemplo, na solução do probleminha
a seguir cuja solução intuitiva rápida e errada é R$
0,10. Tente solucionar o probleminha a seguir e confira
que a tendência da sua intuição é a de dar a resposta
errada de R$ 0,10 e não a correta de R$ 0,05.
Probleminha:
· Um pirulito e uma bala custam R$ 1,10.
· O pirulito custa um real a mais que a bala.
· Quanto custa a bala?
OQEV, ETOQE
Outra fonte de erros do raciocínio intuitivo é devida a
um acrônimo que eu criei e que soa estranho (OQEV, ETOQE)
o qual é resultante da combinação das letras iniciais
das palavras da sentença: O Que Eu Vejo, É Tudo O Que
Existe (antes fosse...).
Para não gastar “fosfato”, o nosso cérebro tem uma
propensão exagerada de acreditar em tudo o que vemos.
Mas, o que vemos raramente contempla toda a realidade.
Pelo contrário, aquilo que não vemos e que está por trás
ou oculto naquilo que vemos é sempre muito mais real do
que aquilo que vemos. Em alguns casos, aquilo que vemos
é apenas uma metáfora da realidade, mas em geral, nem
mesmo se assemelha à realidade. É por isso que a cultura
popular criou o dito: “as aparências enganam”. E, de
fato, elas enganam. E, enganam muito.
É porque as aparências enganam que desde a pré-história
os homens utilizavam truques como tatuagens, pinturas e
cabeças de animais para enganar e assustar os inimigos
nas guerras. A máscara é encontrada na cultura de quase
todas as civilizações. No teatro grego os personagens
começaram a utilizá-las por volta do século V, a.C. com
o objetivo de transmitir emoções.
A indústria da moda, da cosmetologia e da beleza em
geral faturam bilhões anualmente para realçar a beleza e
para disfarçar as imperfeições. Ou, em bom português,
para “esconder” a realidade verdadeira e apresentar uma
suposta realidade.
NOSSA MENTE É PRÓDIGA EM INVENTAR HISTÓRIAS FANTASIOSAS
Outra armadilha que pode levar o nosso raciocínio
intuitivo a opiniões e decisões equivocadas são as
histórias inventadas pela nossa mente com base no que
vemos.
|
Olhando a figura ao lado, a percepção que se tem é a de
uma criatura grande com expressão de raiva correndo
atrás de uma criatura menor, que parece assustada.
Observe que essa história que a nossa mente acabou de
inventar compreende vários elementos: relacionamentos
sociais (uma criatura perseguindo a outra), intenção
(fazer mal e buscar segurança) e orientação física
(grande, pequeno, locomoção, etc.). |
Sem termos consciência do processo, usamos várias pistas
visuais para inferirmos uma história que se encaixe na
imagem. No caso, as linhas convergentes sugerem uma
passagem ou túnel e criam a ilusão de óptica de que uma
das criaturas está mais longe do que a outra e que a de
trás é maior.
Todavia, se substituíssemos as linhas convergentes que
sugerem um túnel por outro “pano de fundo” ou por outro
“cenário”, por exemplo, um atalho numa mata, muito
provavelmente a história que a nossa mente iria criar
seria algo como “esses caras estavam fazendo algo no
mato e de repente se depararam com algum bicho feroz e
saíram correndo”... E, se trocássemos o cenário ou o
pano de fundo por uma calçada de uma rua cheia de gente
e muito movimentada, a história que muito provavelmente
a nossa mente iria inventar poderia ser: “esses caras
são ladrões fugindo da Polícia”. E, nossa mente vai por
aí afora inventando histórias com base no cenário ou no
pano de fundo que envolve os personagens.
Repare que as mesmas criaturas, com as mesmas
características e nas mesmas posições, podem produzir
histórias diferentes na nossa mente, dependendo do
cenário ou do pano de fundo onde elas forem inseridas.
Finalmente, se retirarmos completamente o cenário que
envolve os personagens, no caso as linhas convergentes,
deixando os personagens nus ou sem nenhum fundo ou
cenário, nossa mente iria ter dificuldade para criar uma
história porque não teria os elementos necessários para
isso.
Mais, se ao invés de a nossa mente acreditar de pronto
na nossa intuição a respeito do tamanho dos personagens,
deixasse a preguiça de lado e fizesse um pequeno esforço
cognitivo medindo o tamanho deles, perceberia que as
duas criaturas têm exatamente o mesmo tamanho. E, não se
equivocaria a respeito das suas alturas e muito
provavelmente não inventaria a história que inventou.
Agora, veja que coisa interessante: mesmo você sabendo
agora que a história que a nossa mente inventou (uma
criatura grande com expressão de raiva está correndo
atrás de uma criatura menor, que parece assustada) é
fantasiosa e que as duas criaturas são do mesmo tamanho,
olhando novamente a figura, a nossa mente ainda vai
continuar achando que uma é maior que a outra e que a da
frente está correndo da detrás. Não parece?
Isso é devido a que os nossos processos inconscientes
continuam produzindo uma experiência que contradiz e
supera o nosso conhecimento consciente.
Essas histórias que montamos com base naquilo que vemos
ou naquilo que ouvimos dizer é que nos induz a opinar e
a tomar muitas decisões equivocadas, porque imaginamos
tratar-se de uma coisa quando na realidade pode
tratar-se de outra bem diferente.
Aliás, nossa mente é pródiga em inventar histórias
irreais, porque pelas características de formação do
nosso sistema neurocerebral, o cérebro não admite a
existência de um efeito sem causa.
Se virmos um evento, temos de associá-lo a uma causa que
esteja ou não presente no entorno dele. Às vezes
escolhemos a causa certa. Às vezes escolhemos a causa
errada. Mais, se a mente não encontrar nenhuma causa
natural ao redor que possa explicar o efeito ela, ou
inventa uma, ou atribui o efeito a uma causa
sobrenatural. É por isso que quando as pessoas não
conseguem explicar um evento portentoso, o atribuem a um
milagre (ele se salvou por milagre...), ou à vontade de
Deus se o evento não era desejado (o sétimo filho veio
porque “Deus quis...”), ou ainda à superstição que nada
mais é do que atribuir a um evento, uma causa presente
acidentalmente na relação, mas que de nenhuma maneira
motivaria o evento.
Por exemplo: num determinado dia um vendedor se esqueceu
de fazer a barba e, por sorte fez uma venda grande.
Pronto. Como não havia nenhuma causa lógica que
justificasse aquela venda grande, a mente do vendedor
rapidamente a associou a uma causa presente
acidentalmente na relação, mas que não tinha nada a ver
com isso (barba por fazer). E, a partir daí, ele passa a
não fazer mais a barba na expectativa de tirar outros
pedidos grandes... Muitas pessoas usam talismãs,
amuletos, etc. na expectativa de que eles possam
provocar ou ajudar a acontecer eventos afortunados.
Finalmente, como o nosso cérebro precisa encontrar uma
resposta para tudo, de qualquer maneira, diante de um
problema de difícil solução, o raciocínio intuitivo
procura resolvê-lo substituindo-o por outro de resolução
mais fácil, para dessa forma dar uma resposta viável
rapidamente, ainda que inadequada. E, o que é pior: o
nosso raciocínio lógico costuma endossar essas soluções
estapafúrdias da intuição.
O RACIOCÍNIO LÓGICO TAMBÉM É LIMITADO E NÃO MUITO
CONFIÁVEL
O raciocínio lógico é ordenado e nos permite comparar,
escolher, opinar e tomar decisões conscientes. Mas, ele
também é limitado, tanto pela falta de conhecimento
adequado sobre muitos temas, quanto pela interferência
dos sentimentos nas opiniões, as quais fazem com que a
emoção decida no lugar da razão.
Muitas vezes cometemos erros porque não sabemos direito
onde estamos nos metendo. Seja porque os fatos e os
dados que nos foram apresentados não contemplam toda a
realidade ou, seja porque não temos conhecimentos
profundos sobre o tema. Não somos cátedros na matéria.
Aliás, em geral, o que não sabemos sobre a maioria das
coisas, sobre as quais precisamos opinar e decidir, é
sempre infinitamente mais amplo e profundo do que aquilo
que sabemos ou do que aquilo que nos foi dado a
conhecer.
E, segundo, porque o raciocínio lógico também sofre
enorme influência das nossas experiências positivas e
negativas vividas no passado (sentimentos) e que estão
armazenadas no nosso inconsciente.
Por exemplo: alguém vai lhe propor um negócio e você
pode não saber que está sendo otimista em relação a esse
negócio, porque alguma coisa no visual dessa pessoa te
lembra (inconscientemente) uma pessoa querida sua e isso
gera em você simpatia pela pessoa e pelo negócio.
Também, poderá não saber que está sendo pessimista em
relação ao mesmo negócio, porque alguma coisa nessa
pessoa te lembra (inconscientemente) uma pessoa que você
não gosta – seu “dentista”, por exemplo..., e isso gera
antipatia.
E, se você precisar de uma explicação “racional” do por
que está otimista ou pessimista em relação ao negócio,
sua mente irá buscar na memória alguns bons motivos para
justificar seu estado de espírito e satisfazer
enganosamente sua expectativa. E, o que é pior: você vai
acreditar nessa história fantasiosa...
AS NOSSAS IDEIAS SÃO INFLUENCIÁVEIS PELOS SENTIMENTOS E
MUITAS DECISÕES EMOTIVAS SE ANTEMPÕEM E SE SOBREPÕEM ÀS
DECISÕES LÓGICAS
Muitas decisões conscientes são emotivas impulsionadas
pelos nossos sentimentos e por isso não são lógicas.
Aliás, elas se antepõem e se sobrepõem à lógica. Por
exemplo: as decisões baseadas nos ciúmes, podem até ser
conscientes, mas não são lógicas. Da mesma forma, as
decisões baseadas em inúmeros outros sentimentos também
podem ser conscientes, mas não lógicas.
Os seres humanos possuem mais de 400 sentimentos que os
levam a agirem emotivamente como, a ambição, a carência,
a compaixão, a confiança, a crença, a desconfiança, o
entusiasmo, a espiritualidade, o estresse, a excitação
sexual, a fidelidade, a gratidão, a imitação, a
insatisfação, a inveja, a mágoa, o medo, o ódio, o
orgulho, a paixão, a pressa, a rebeldia, a superstição,
etc.
É PRECISO EXPOR NOSSAS IDEIAS AO CRIVO DE OUTRAS MENTES
DE CONHECIMENTO PARA TOMAR AS MELHORES DECISÕES
Com base nessas considerações que acabamos de fazer e
com base neste momento delicado que as empresas estão
passando, você deve imaginar o perigo que as opiniões e
decisões autocráticas podem representar para as
empresas, seja por falta de conhecimento suficiente para
dar uma opinião abalizada e decidir certo, seja pelo
envolvimento emocional com as pessoas e com as coisas da
empresa, inclusive produtos e serviços. Não é por outro
motivo que a história é farta em mostrar que por trás de
todos os grandes presidentes sempre existiram
competentes assessores.
Agora, nunca é demais ressaltar que quando as empresas
são iniciantes e pequenas, os problemas a serem
resolvidos também são pequenos e de senso comum.
Todavia, com o passar dos anos, os fundadores se veem às
voltas com problemas inusitados e originados de inúmeras
ciências complexas, como administração financeira,
administração dos materiais, administração de marketing,
administração da produção, administração operacional,
administração dos recursos humanos, administração dos
recursos de capital, administração de vendas,
comunicação, branding, contabilidade, direito comercial,
direito societário, direito trabalhista, direito
tributário, economia tradicional, economia
comportamental, econometria, engenharia econômica,
engenharia técnica, marketing, organização e métodos,
pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e serviços,
propaganda, psicologia, segurança, sociologia,
tecnologia da informação, tecnologia de redes, vendas,
etc., etc., etc.
As grandes empresas têm cacife para contratar grandes
cabeças para cuidar bem de cada uma dessas áreas, mas as
pequenas e médias empresas não têm como fazer isso.
Então, a palavra final geralmente tem de ser a dos
fundadores. Imagine a dificuldade para eles lidarem com
tantas e tão complexas ciências.
Decisões democráticas com a participação dos
colaboradores internos comuns ajudam, mas também são
insuficientes. Primeiro porque são visões “de dentro
para fora” e de quem só conhece aquilo que a empresa já
faz. Mas, o que a empresa já faz pode ter sido bom para
resolver os problemas passados, mas não para resolver os
problemas de hoje e os de amanhã. Segundo, a
conveniência da dependência econômica dos colaboradores
nem sempre permite que eles deem as opiniões que
gostariam e precisariam dar. E terceiro, devido ao
natural envolvimento emocional que eles têm com os seus
pares e com as coisas da empresa suas opiniões são
contaminadas pelos sentimentos.
Para as empresas tomarem boas decisões eles precisam ter
acesso também à visão “de fora para dentro” e às
opiniões “não contaminadas pelos sentimentos”.
Consultores externos costumam ver coisas que os
colaboradores internos têm dificuldade de ver. Também,
eles não são contaminados pelos sentimentos. Por isso
eles podem ajudar bem os fundadores e seus colaboradores
a removerem as fantasias mentais que eventualmente
possam estar revestindo suas opiniões e decisões.
É por isso que as empresas procuram se amparar em boas
assessorias, contábil, jurídico/trabalhista,
jurídico/comercial, econômica, marketing, vendas,
propaganda, etc. E, os dirigentes das empresas de maior
porte também se apoiam em Conselhos, como o de
Administração, Deliberativo, etc. que são formados não
apenas por experientes colaboradores internos como
também e principalmente por experientes consultores
externos.
Prof. Faccin
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