No mundo todo, 15% a 20% dos agentes econômicos (pessoas,
empresas e governos) são investidores e 80% a 85% são
tomadores.
Por isso, são poucos aqueles que chegam ao fim do mês com
dinheiro sobrando para poupar e investir.
Ao nível pessoal, o mais normal é o sujeito ter avançado no
cheque especial, no cartão de crédito, etc.
Com as empresas e com os governos não é diferente. O nível
de endividamento das empresas é bastante elevado. E isso
é assim em toda a parte.
A maior economia do mundo, a americana, é a mais endividada
de todas. E, o governo americano então, nem se fala.
A Prefeitura de São Paulo tem uma arrecadação prevista para
este ano de 15 bi e dívidas por 30 bi.
O Governo Federal tem dívidas de mais de um trilhão de
reais.
A questão é que os ciclos econômicos são irregulares e
imprevisíveis e seus movimentos afetam de forma
diferenciada a receita dos agentes econômicos.
O cientista matemático Benoit Mandelbrot acaba de lançar seu
novo livro: “Mercados Financeiros Fora de Controle”, no
qual ele demonstra que é impossível alguém prever o
futuro preço de uma ação de uma empresa através de uma
fórmula. Principalmente as grandes flutuações.
Na prática todo tomador é um inadimplente em potencial,
porque, como eles têm gastos no limite das receitas,
qualquer oscilação econômica, pode tornar uma parcela
deles em inadimplentes.
A diferença está entre o agente se tornar inadimplente total
(insolvente) e parcial, aquele que tem para honrar
alguns compromissos, mas não todos.
O parcial é a grande maioria.
Como lhe falta uma parte para honrar todos os compromissos,
então, ele elabora uma lista de prioridades de
pagamentos, segundo julga ser a IMPORTÂNCIA que o
fornecedor ou prestador de serviço tem para ele.
Por isso, primeiro, paga o bem ou serviço que entende não
poder viver sem ele.
Em segundo lugar ele paga aqueles que aplicam multas, algum
tipo de sanção, retiram descontos ou oferecem alguma
vantagem para o pagamento pontual.
Por último, ele vai se preocupar com os prestadores de
serviços competitivos, com os “credores bonzinhos”, com
os amigos, etc.
Isso é assim em todos os lugares do mundo.
Agora, essa escala de valores do inadimplente parcial, para
alguns credores ela é objetiva, mas para outros (a
maioria) é puramente subjetiva.
Aqui temos um primeiro aspecto de marketing a ser
considerado: o da VALORIZAÇÃO do produto ou serviço pelo
cliente.
A “valorização” é um fenômeno psicológico e, portanto
sujeito a mutação.
O Marketing de Retenção de Clientes, entre outras funções,
tem exatamente essa finalidade: VALORIZAR
PERMANENTEMENTE O PRODUTO OU SERVIÇO PARA OS CLIENTES.
Então, quando o cliente não valoriza é porque o Marketing
não está conseguindo seus objetivos. Não está
conseguindo passar para o cliente a dimensão exata da
importância que o produto ou serviço tem para ele.
Em outras palavras podemos dizer que, quando o cliente
coloca o prestador de serviço no último lugar da sua
lista de prioridades de pagamentos, a culpa é do
prestador de serviços e não do cliente.
Outro aspecto que precisa ser levado em consideração é que,
frente a uma situação de fato, além de o cliente ter de
eleger a quem vai atrasar, ele também acaba,
automaticamente, testando os credores: ao atrasar os
pagamentos, cada credor reage de uma maneira diferente e
ele acaba observando e analisando essa reação de cada
credor.
E dessa análise das reações o cliente acaba revendo a sua
própria escala de valores e prioridades.
Se a empresa credora for “muito compreensiva e tolerante”
com o objetivo de “compreender a situação do cliente” e
“agradá-lo para que ele reconheça isso no futuro”, na
prática ela passa para o cliente uma idéia oposta:
1.
Ela é “boazinha” e, portanto
pode ser colocada na última linha da última folha das
suas prioridades de pagamento;
2.
Ela é desorganizada;
3.
Ela não é muito confiável;
4.
Ela mesma não acredita que o
serviço que está prestando vale o que ela está cobrando;
5.
Ela mesma não acredita muito
na qualidade do serviço que está oferecendo, por isso
não faz questão de cobrar;
6.
Ela não é séria o suficiente
para cuidar da segurança dele;
7.
Ela tem medo de perdê-lo para
a concorrência;
8.
Que ele é muito importante
para o credor; etc.
Ou seja, essa postura “muito compreensiva e tolerante” do
credor acaba tendo um efeito contrário ao almejado e
acaba também alterando até mesmo a importância dela na
escala de valores subjetiva do cliente.
Essa percepção, que inicialmente é subliminar no cliente,
acaba se tornando consciente e a relação se deteriora.
Inicialmente ele perde a admiração pela empresa. Depois,
perde o respeito e passa a sentir-se com o “direito
adquirido” de atrasar e acaba acumulando vários
pagamentos.
Aí a coisa se complica de vez, porque mesmo que quisesse,
não teria mais como por em dia todo o atrasado.
É importante ter em mente que, quando o cliente atrasa,
normalmente, ele nunca está pensando em não pagar, mas
apenas em adiar o pagamento. O não-pagamento pode
ocorrer devido ao acúmulo de parcelas atrasadas.
Por isso, quando a empresa não agüenta mais e tenta cobrar
de forma mais ostensiva, o cliente se rebela e não
aceita. Afinal, se o montante atrasado for grande, mais
vale trocar de prestador de serviço e não pagar.
Resultado: cliente perdido. E o que é pior: ainda sai
falando mal do credor na praça e para os seus
concorrentes.
Ser compreensivo e tolerante com o cliente em atraso é uma
ação cuja reação é contrária ao objetivo de se mantê-lo
na empresa.
Se, desde o início da relação, a empresa deixar claro para
os clientes que sem pagamento não tem prestação de
serviço, ela passa para eles e para o mercado uma imagem
de seriedade e confiança.
A empresa precisa confiar muito em si mesma para agir assim.
Mas, se agir assim, passa ser a empresa com a qual os
melhores clientes querem trabalhar.
É preciso ser simpático, porém inflexível na cobrança. Ou,
saber “vender caro” alguma eventual flexibilidade.
Se o cliente for sério, não há inconveniente. Se for
picareta, espirra logo e a empresa não perde mais tempo
e nem dinheiro com ele.
Sempre que a empresa tiver medo de perder um cliente,
invariavelmente, acaba perdendo mesmo, porque ela muda o
seu comportamento e passa essa sensação de insegurança
para o cliente.
Quando sentimos medo dum cachorro, produzimos e liberamos
adrenalina em excesso na corrente sanguínea e exalamos o
seu odor. Nós não o sentimos, mas o cachorro sente esse
cheiro que indica para ele que o oponente está
desguarnecido. Então ele ataca.
Diferentemente, se não tivermos medo e o encararmos, por via
de regra, ele foge. Assim agem os treinadores de cães
ferozes: os encaram de frente.
Com o cliente não é diferente: se tivermos medo de perdê-lo,
ele sente o “cheiro” e abusa. O resultado é a perda do
cliente.
Eu atuei por mais de 20 anos em vários países da América
Latina e da Europa e tive de aprender, sim ou sim, a
lidar com clientes inadimplentes.
Lá fora não existem os instrumentos coercitivos de
pagamentos que dispomos aqui como, SERASA, SCPC,
CARTÓRIO DE PROTESTO, etc. Dessa forma, os clientes até
se sentem mais à vontade e confiantes em inadimplir.
Meu curso de “doutorado em cobrança de maus pagadores” foi
mesmo na Argentina e no México. Nunca vi nada igual.
Essa habilidade rara para dar crédito e cobrar, sem perder o
cliente, fez do Samuel Klein, dono da rede de lojas
Casas Bahia, o “rei do varejo”. No ano passado ele
faturou 10 bilhões de reais dando crédito para as
classes C e D.
Segundo li, ele tem mais de 15 milhões de clientes, sendo
que uma parcela significativa deles, jamais conseguiria
crédito em qualquer instituição financeira ou mesmo em
outra loja de varejo.
Muitos estão com o nome sujo, mas o Samuel entende que para
ele não importa se o sujeito deve para o banco, se
passou cheque sem fundo, etc. Não importa se ele não tem
dinheiro para honrar todos os compromissos em dia. O que
importa é que ele pague em dia a Casas Bahia. Muito
prático e objetivo.
A inadimplência é um fenômeno da atividade econômica como
outro qualquer, portanto é resultante de uma ampla e
complexa rede de causas que se manifesta sob
determinadas condições.
Por ser um fenômeno, ela é dependente das causas e das
condições que lhe dão sustentação. Cessadas essas causas
e condições, cessa também o fenômeno da inadimplência.
Em outras palavras, não há fenômeno eterno porque eles não
são autopropulsados. Todos, sem exceção, são
temporários. Só variando o tempo que se mantém ativo.
A habilidade no caso é saber atravessar esse período de
turbulência do cliente sem, contudo ter prejuízo, ou com
um mínimo de prejuízo. Mas sempre, sem perder o
cliente.
Do contrário, corremos o risco de ficar com o prejuízo (por
termos sido complacentes demais no período crítico) e
entregar o cliente de graça para a concorrência, no
momento em que ele já passou ou está passando da fase de
inadimplência.
No dia 27 de janeiro passado o CMN - Conselho Monetário
Nacional autorizou as instituições financeiras a
concederem empréstimos financeiros a clientes que tenham
o nome sujo na praça, revogando a resolução de 1998 que
impedia essa concessão.
Ou seja, está todo mundo querendo reabilitar clientes
inadimplentes. Afinal, reabilitando-os, eles voltam a
consumir e a dar lucro.
Com uma boa estratégia de cobrança é possível restringir-se
extraordinariamente a inadimplência e a perda
desnecessária de clientes.
Com uma estratégia bem elaborada de marketing é possível
reconquistar-se uma boa parcela dos clientes perdidos.
Perder clientes por causa do fenômeno da inadimplência não é
sensato para nenhuma empresa.
Isso sem falar na perda da oportunidade de aprofundar as
relações com eles, aumentando-se a participação no seu
poder de compras, ao vender-lhes mais da mesma linha de
produtos (up selling) ou de novas linhas
(cross-selling).
Hoje em dia, não é mais importante “possuir um produto ou um
serviço”, mas “possuir clientes”, porque com o tempo, os
produtos e serviços se modificam com as mudanças das
necessidades dos clientes. Mas os clientes continuam
comprando, da gente ou da concorrência.
O custo de marketing para se conquistar um cliente novo é
alto, mas para aprofundar a relação comercial com um
cliente existente é bastante pequeno. Às vezes uma
cartinha, um e-mail ou um simples telefonema.
Prof. Faccin
professor@faccin.com.br
|