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Permissões e Restrições
ou
Como Evitar Erros Evitáveis
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No ambiente náutico, costuma-se dizer
que ganha regata quem comete menos erros, porque é
impossível fazer-se uma regata sem cometer nenhum erro.
Os velejadores de elite, obviamente, comentem
poucos erros e eles são mais de estratégia de regata do
que operacionais, já que todos são bons. No grupo dos
intermediários e dos que fecham a raia, os erros são
muitos e de todos os tipos.
No ambiente corporativo não é muito diferente e
os erros também são de origem estratégica e operacional.
Sendo que a empresa que comete menos erros tem uma
significativa vantagem competitiva, já que “erro é
sinônimo de custo”.
Nesta primeira parte deste ensaio vamos abordar
apenas o tema dos erros operacionais ou aqueles
cometidos pelos funcionários no seu labor diário e
também aqueles cometidos pelos clientes na sua interação
diária com os produtos e serviços oferecidos pela
empresa.
O foco será chamar atenção não para os erros em
si, (efeitos), mas para as “causas” indutoras ou
geradoras desses erros.
Afinal, como nada neste mundo surge do nada, os
erros também não surgem. Por serem fenômenos como
outros quaisquer, eles são resultantes de uma ampla e
complexa rede de causas que se manifesta sob
determinadas circunstâncias, duram enquanto durarem as
causas e condições que lhes dão sustentação e cessam
quando essas causas e condições cessam ou se modificam.
Essa preocupação de focar as causas e não os
efeitos (erros) faz sentido uma vez que o ser humano tem
uma tendência de sempre reagir aos efeitos e não às
causas. E, é exatamente por esse motivo que muitos erros
se repetem à exaustão.
Quando alguém erra, e o erro é percebido,
geralmente ele é punido. Mas, o quê, ou quem o induziu
ao erro não recebe a atenção devida e continua impune.
Meu interesse pelo tema remonta o início dos anos
1970 quando estive pela primeira vez nos Estados Unidos.
Naquela época, o Brasil ainda era considerado um
país de terceiro mundo – o PIB brasileiro equivalia a 5%
do PIB americano, ou mais precisamente, equivalia ao que
a mulher americana gastava com cosméticos por ano.
Devido à crise do petróleo e para equilibrar a
balança comercial, o Brasil não podia importar
praticamente nenhum outro tipo de produto ou serviço, só
petróleo e seus derivados. E, em razão da lei de
informática não se podia importar nenhum produto com
eletrônica embarcada. Assim, vivíamos apartados da
evolução tecnológica que estava explodindo no primeiro
mundo.
Munido dessa “bagagem de atualização”, ao
desembarcar nos Estados Unidos a sensação que tive deve
ter sido mais ou menos a mesma que a de um índio que
desembarcasse em São Paulo. Mas, apesar de me sentir
meio índio no meio da civilização, eu acertava tudo o
que ia fazer. Não errava nada.
A sensação nítida que eu tinha era de que ao
passar por algum lugar ou ao fazer alguma coisa, alguém
muito inteligente tinha passado antes ou tinha feito
alguma coisa para impedir que eu cometesse algum erro. |
De volta ao Brasil, me dei conta de
que a sensação era exatamente oposta: quando eu ia a
algum lugar desconhecido ou ia fazer algo novo, sentia
que alguém muito atrapalhado, para não dizer outra
coisa, havia antes feito de tudo para que eu me
equivocasse e não acertasse.
Há um ano mais ou menos eu fui ministrar um curso
para um cliente no Centro de Convenções Almenat na
cidade de Embu das Artes na Grande São Paulo e fui
seguindo as placas indicativas na estrada... até me
perder. Parei, pedi informações a um passante, retornei
seguindo suas orientações e cheguei ao local. Mas,
fiquei intrincado por ter me perdido. Afinal, eu tinha
procurado seguir fielmente as placas indicativas. Para
falar a verdade, me senti meio burro.
Antes de começar a ministrar o curso tive de
esperar pela chegada do Presidente da companhia que
estava atrasado. Quando ele chegou pediu desculpas pelo
atraso e disse que seu atraso se dera porque ele se
perdera no caminho, apesar de ter seguido as placas
indicativas para chegar.
Nessa altura eu me senti aliviado, afinal burro
era o cara que mal colocou as placas de sinalização de
forma a induzir as pessoas a erro e não eu e o
presidente que erramos. Relação causal.
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Recentemente
uma auxiliar de enfermagem de um Hospital de São
Paulo injetou vaselina líquida ao invés de soro numa
criança matando-a e o fato ganhou as manchetes da
mídia.
Veja na foto ao lado que o frasco de soro e o
de |
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vaselina líquida são praticamente
idênticos e o que é pior: ambos estavam armazenados no
mesmo local. É certo que a auxiliar de enfermagem se
equivocou, mas também é certo de que ela fora induzida a
erro.
Na prática, sem querer ou perceber, alguém armou
uma armadilha e ela foi vítima dessa armação, senão
vejamos\.
1. Produtos diferentes embalados em frascos
praticamente idênticos; e
2. Armazenados no mesmo local.
Se levarmos em consideração as deficiências
naturais da nossa visão e do nosso cérebro, claramente
concluímos que a culpa maior cabe aos atores que a
induziram ao erro e não a ela que cometeu o erro.
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1. Os
especialistas sabem que a nossa visão é bastante
deficiente por vários motivos, inclusive porque o
nosso olho só tem uma boa definição de imagem num
ângulo de apenas 2º. Para você
ter uma ideia mais precisa de como é pequena área de
boa |
definição visual desses 2º,
estenda o braço para frente e paralelamente ao chão.
Então, erga o dedo polegar como se estivesse fazendo o
sinal de positivo. Pronto, o comprimento do seu polegar
equivale ao diâmetro da área do círculo da visão de alta
definição a sua frente, sendo que no meio desse círculo
ainda tem um buraquinho negro.
Toda área ao redor desse círculo não tem boa
definição e piora à medida que se afasta do círculo. Na
realidade, nossa vista enxerga pouco ao redor desse
círculo e por isso ela fica oscilando o tempo todo de um
lado para o outro para formar uma imagem melhor do todo
e, o que é pior: geralmente ela induz que o que está ao
redor desse círculo de alta definição é o mesmo que está
dentro dele... |
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As ilusões de
ótica são um bom exemplo de como nossa vista pode
nos induzir a equívocos. Mas
essas não são as únicas limitações da nossa visão.
Existem muitas outras que não vamos abordar neste
ensaio porque expandiria demais o tema. |
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2. Com relação ao nosso cérebro, ele
busca automatizar todas as ações repetitivas de forma
que mais de 95% das nossas ações são praticadas
automática e inconscientemente. Isso é assim porque um
adulto normal toma em média 50 mil decisões de todos os
tipos diariamente, desde as mais insignificantes como
calçar um sapato ou tomar um copo de água até as mais
significativas como que emprego optar, etc.
Qualquer um de nós ficaria louco se tivesse que
raciocinar conscientemente para tomar cada uma dessas
decisões.
É por isso que colocamos o sapato e tomamos água
automaticamente e sem pensar. Ou seja, tudo aquilo que
vira rotina, automaticamente fazemos sem pensar. E, se
tiver alguma pegadinha ou armadilha no meio (indutor de
erro), podemos ser presas fáceis.
Foi por isso que a auxiliar de enfermagem que
estava habituada a pegar naquele local o frasco de soro,
passou a fazer isso automaticamente e sem pensar. E, ao
colocarem no local um frasco de vaselina com
características praticamente idênticas (pegadinha,
armadilha ou indutor de erro), ela pegou o primeiro
frasco que viu sem imaginar que pudesse ser algo
diferente.
A auxiliar de enfermagem vai ser condenada por
crime culposo por não ter tido a intenção de matar. Se
for ré primária, certamente não será reclusa, mas terá
de prestar serviços comunitários.
Aqui cabem duas perguntas:
1ª. Quem idealizou o frasco com formato e
aparência semelhante ao do soro e quem colocou o frasco
no mesmo local do soro também serão punidos
criminalmente? Penso que não.
2ª. A punição criminal da auxiliar de enfermagem
vai resolver o problema? Certamente não.
Esse tipo de erro se dá em todo lugar. Inclusive
nos países adiantados como os Estados Unidos. Em 18 de
novembro de 2007 os prematuros gêmeos Thomas Boone e Zoe
Grace Quaid, com apenas 10 dias de vida, receberam uma
overdose do anticoagulante Heparina pela manhã e outra
overdose à tarde por enfermeiras diferentes.
A Heparina injetada tinha uma concentração de 10
mil unidades por mililitro e é usada para limpar sondas
e cateteres intravenosos. A Heparina que teria de ser
injetada tem uma dosagem padrão de 10 unidades por
mililitro (grifei o mil propositalmente para evitar que
você passasse batido...).
A pergunta é: porque esse erro se deu duas vezes
no mesmo dia e por enfermeiras diferentes?
A resposta é: porque os frascos de 10 unidades e
os de 10 mil unidades eram facilmente confundíveis, já
que ambos tinham o mesmo tamanho e o mesmo formato, e
ambos tinham rótulos azuis, embora um fosse azul-escuro
e outro azul-claro.
Vale ressaltar que mais de 16 mil erros de uso de
heparina foram atribuídos à dosagem incorreta entre 2001
a 2006 e ninguém fez nada. |
Só depois que ocorreu a overdose nos
gêmeos em questão em 2007, e exclusivamente por eles
serem filhos de um ator americano, foi que o caso ganhou
repercussão na mídia e o fabricante se sentiu compelido
a modificar as embalagens.
A pergunta é: porque dezesseis mil erros iguais
não foram suficientes para se tomar uma providência?
Por causa da tendência do ser humano de se preocupar com
o efeito (erro) e não com a causa (elemento indutor).
Devido a isso, muito provavelmente ninguém se deu
ao luxo de informar ao fabricante sobre a confusão que
as embalagens estavam gerando. Muito provavelmente
também, os hospitais apenas puniam as enfermeiras que se
equivocavam.
Em 2008 a FDA – Food and Drug Administration dos
Estados Unidos divulgou um alerta sobre dois
medicamentos que podiam ser facilmente confundidos entre
si, não pela embalagem, mas pelos nomes que eram
semelhantes. Um era o edetato de dissódio e o outro era
edetato cálcico de dissódio. O problema é que um é
usado para tratar pacientes com altos níveis de cálcio
no sangue e o outro é usado para tratar envenenamento
por chumbo.
Acredita-se que nos Estados Unidos morram a cada
ano uma média de 70 mil pacientes de erros evitáveis, o
que faz dos erros médicos a oitava causa mais comum de
óbitos.
E, quanto à letra dos médicos nas receitas que
ninguém entende e que os farmacêuticos e balconistas de
farmácias ficam tentando adivinhar? Simplesmente
inconcebível.
Como se isso não bastasse, a quantidade e a
velocidade das transformações econômicas, tecnológicas,
mercadológicas, culturais, etc. estão tornando o mundo
tão complexo que estamos tendo dificuldades de lidar com
ele e aumenta extraordinariamente o potencial de erros,
sendo que a maioria seria evitável.
Vale lembrar que o homem aprendeu a montar a
cavalo, mas só depois de 1.000 anos ele conseguiu
descobrir a roda e utilizá-la na carroça. Hoje as
transformações são muito radicais (tipo Tsunami) e
ocorrem com uma frequência e rapidez inimaginável.
Estamos vivendo hoje a era digital em sua
plenitude. E segundo o Ethevaldo Siqueira, isso
significa comunicação instantânea em qualquer lugar e a
qualquer hora; TV digital com imagens de alta definição
e 3D; chips multinúcleos; internet de banda larga;
softwares de produção gráfica; realidade virtual;
sistemas de multimídia; e dispositivos de armazenamento
de muitos terabytes.
A maior parte dessa revolução ocorreu nos últimos
20 anos. E nesse curto período de tempo, bilhões de
seres humanos construíram e seguem construindo, a cada
dia, um inusitado e complexo mundo novo.
Há 20 anos nascia a web, hoje ela conecta 2
bilhões de pessoas ao redor do mundo. Naquela época
ficávamos boquiabertos com a comunicação de dados à
velocidade de 9,6 Kbps (eu que lhe escrevo, cheguei a
fazer transferência de arquivos pela linha telefônica,
quando ainda não existia Internet à velocidade de 2,4 Kbps e achava o máximo...).
Hoje, as transmissões entre corporações podem
alcançar 10 Gbps ou uma velocidade 4 milhões de vezes
maior que os 2,4 Kbps...
A capacidade de processamento da informação da
maioria dos desktops lançados em 2010 supera a dos
mainframes dos anos 1970.
Nessa nova sociedade que estamos vivendo, a
produtividade alcança níveis impensáveis, impelida por
todas as formas de automação, pela expansão mundial da
internet e pelo crescimento explosivo das redes de
telecomunicações. |
Ainda, segundo o Ethevaldo, essa revolução
tecnológica muda quase todos os paradigmas anteriores.
Substitui processos analógicos por digitais, átomos por
bits, ferramentas físicas por virtuais, banda estreita
por banda larga, comunicações fixas por móveis, serviços
unidirecionais por interativos, máquinas e equipamentos
dedicados por multifuncionais.
É claro que esse estranho e complexíssimo mundo
novo propicie um potencial enorme de equívocos a todas
as pessoas que de uma hora para outra se veem forçadas a
lidar com toda essa parafernália tecnológica.
O psicólogo Irving Biederman que estuda percepção
visual calcula que existam cerca de 30 mil objetos
“imediatamente discrimináveis” para uso de um adulto
comum. Imagine a dificuldade para lidar com toda essa
diversidade de novos e complexos objetos.
Se você morasse nos Estados Unidos teria a sua
disposição 900 canais de televisão para escolher;
encontraria no site da healthgrades.com relatórios e
classificações de 750 mil médicos, 5 mil hospitais e 16
mil casas para idosos; se quisesse comprar um CD player,
não encontraria menos que 21 opções e como a maioria dos
componentes podem ser combinados e é compatível com
vários modelos, você teria a opção de criar mais de 100
mil aparelhos diferentes; etc.
É de ficar louco no meio de tantas opções.
Por isso, faz sentido as empresas criarem
restrições e permissões para o uso de seus produtos e
serviços com a finalidade de evitar que os usuários
sejam levados a erros evitáveis.
Essas permissões e restrições funcionam como
indutores ou freios para que os usuários se mantenham no
rumo certo.
Pode-se criar restrições e permissões de todas as
formas e tamanho, sejam elas físicas como formatos,
textura, etc. ou não, como cores, imagens, odores, sons,
etc. Ou seja, pode-se enviar mensagens através dos cinco
sentidos humanos para evitar que um usuário neófito ou
desatento (normal) utilize errado o produto/serviço e
induzi-lo a utilizá-lo da maneira correta.
Nesse sentido, a Apple é um exemplo digno de
nota.
O iPhone e o iPad, por exemplo, são tão
intuitivos e têm tantas permissões e restrições que
praticamente dispensam manuais.
Seus recursos intuitivos aliados às permissões e
restrições fazem com que qualquer um que os tome nas
mãos pela primeira vez comece a usá-los sem maiores
problemas. As restrições impedem que se erre e as
permissões induzem ao acerto. E basta que o indivíduo
tenha alguma curiosidade e em pouco tempo já domina
todas as funções deles.
Embora bem mais simples, as peças do brinquedo
Lego têm fortes restrições físicas de uso, uma vez que
os cilindros e buracos dos bloquinhos de plástico fazem
com que seja praticamente impossível encaixar as peças
de maneira errada.
Na área de serviço, para evitar que os pilotos
errem suas rotas, as autoridades aeroviárias do mundo
todo estabeleceram rotas para a navegação e orientação
dos aviões com pontos fixos codificados com cinco
letras.
A FAA - Federal Aviation Agency dos Estados
Unidos escolhe nomes que significam alguma coisa
conhecida e que normalmente refletem características
famosas das cidades por onde os aviões estão sobrevoando
para que os pilotos os memorize facilmente e os associe
ao lugar.
Por exemplo: se o avião estiver sobrevoando San
Antonio, então o ponto fixo se chama ALAMO; se for sobre
Orlando, os pontos são MICKI, MINIEE (ratinha) e GOOFY
(pateta). |
Imagine a confusão que se daria na
mente dos pilotos se o ponto sobre San Antonio se
chamasse MICKI? Eles estariam sendo induzidos a pensar
que estavam sobrevoando Orlando.
Mas, se ao invés de MICKI o código fosse XPTOS?
Você acha que os pilotos iriam memorizar esse código?
Certamente não, porque ele não se associaria a nada
conhecido. E o cérebro humano raciocina por associação
de imagens, sons e outros estímulos parecidos.
Diante do exposto, fica fácil perceber que se as
empresas não criarem grupos de trabalho com o objetivo
de “desarmar as armadilhas” tanto no processo
operacional como na orientação de uso dos seus produtos
e serviços, iremos assistir cada vez mais empregados e
clientes cometendo erros evitáveis.
Desarmar todas essas armadilhas ou indutores de
erros dará às empresas uma vantagem competitiva
fantástica devido à extraordinária redução de custos que
irão ter.
E a melhor forma de fazer isso é criando
“restrições” e “permissões” que impeçam os empregados e
os clientes de cometerem erros.
Para finalizar, se você me permite, sugiro que
faça um “brainstorming” ou crie um grupo de
colaboradores da sua empresa composto por empregados,
fornecedores, prestadores de serviços e clientes para
elencarem a maior quantidade possível de erros
conhecidos e contribuírem com soluções e ideias
criativas de permissões e restrições que induzam ao
acerto e restrinjam os erros.
Se precisar de ajuda entre em contato conosco.
Consultoria é para isso mesmo: ‘ajudar as empresas a
resolverem problemas incomuns’
E, obviamente, por sermos especialistas, fazemos
isso com rapidez, praticidade e simplicidade, como
convêm ao mundo de hoje!
Prof. Faccin
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