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Lula é o nosso Mao; FHC, o
nosso Deng
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Por Carlos Alberto Sardenberg para a AE |
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Quando um governante tem ampla
aprovação popular, decorre daí que está fazendo a coisa
certa? Depende do que se entende pela coisa certa, é
claro, mas a relação não é direta. É possível que um
líder tenha prestígio enquanto faz uma administração
absolutamente desastrosa, e isso vale tanto para os
eleitos quanto para os ditadores.
O exemplo mais evidente é o de Mao. Até hoje a
China reverencia o "grande líder", que, entretanto,
conduziu o País a grandes desastres: fome matando
milhões, economia arrasada, assassinatos em massa,
torturas. Já a potência econômica de hoje foi fundada
por Deng Xiao Ping, aliás, ele próprio prisioneiro
durante a revolução cultural maoista. Mas é a imagem de
Mao que se vê por toda parte.
Agitação e propaganda são boa parte da
explicação. Governantes bem-sucedidos na admiração
popular têm isso em comum, a capacidade de falar
diretamente às pessoas e vender gato por lebre. Criam
slogans simples e de imediata compreensão, lançam um
plano atrás do outro, não importa se o primeiro foi
simplesmente abandonado. Tudo apoiado pelos instrumentos
da propaganda.
Nas ditaduras é mais fácil. Como disse Lula no
lançamento de seu balanço, no mundo todo os jornais não
falam bem do governo, exceto na China e em Cuba.
Verdade. O problema é que Lula fez esse comentário em
tom de reclamação, como se, na democracia, com imprensa
livre, tivesse que gastar muita energia e dinheiro
(pagando publicidade na mídia) para passar a sua
verdade.
Mas o fato é que Lula foi muito bem nesse
quesito. Passou seu governo inteiro no palanque,
anunciando planos e mais planos, metas e mais metas,
inaugurando várias vezes a mesma obra. Uma parte da
imprensa simplesmente aderiu ou foi obrigada a isso pelo
volume das verbas oficiais de publicidade. A imprensa
livre e independente, apesar das reclamações do
presidente, sempre cobriu essas atividades, o que
ampliou os palanques.
A Ferrovia Transnordestina é um caso exemplar:
foi lançada e "inaugurada" cinco vezes, sempre
apresentada pelo presidente como sua obra especial.
Prometida para este final de ano, tem menos de 100 km
prontos, para um projeto de quase 3 mil. Nada disso
impediu que a obra aparecesse como resultado de sucesso
na prestação de contas de Lula, aquela registrada em
cartório. Claro que o texto não diz que a obra está
pronta, mas, sim, em execução, que foi viabilizada "pela
primeira vez", sem nenhuma referência aos atrasos e
problemas que ainda enfrenta.
Ou seja, não é prestação de contas, mas pura
propaganda. Lula não perde a oportunidade de alardear
sua elevada popularidade, suas virtudes de
operário-presidente. Sua turma também. É o maior
presidente de todos os tempos, disse uma vez Dilma
Rousseff. E, quando criticado por esses excessos, Lula
joga na cara dos críticos: o País nunca cresceu tanto, a
renda aumentou, a pobreza diminuiu e o mundo respeita o
Brasil. Por que ele não pode se vangloriar desses
feitos?
Eis a quase-verdade (ou, claro, quase-mentira). É
verdade que o País está de novo num bom momento. Mas não
é verdadeira a conclusão que Lula tira disso: que isso
tudo só está acontecendo porque ele é o presidente.
Basta olhar em volta. Os países emergentes em
geral descreveram trajetória igual à brasileira:
estabilidade macroeconômica construída nos anos 90 e,
especialmente no período 2003/08, os benefícios de uma
onda de prosperidade mundial que elevou espetacularmente
os preços de nossos produtos de exportação, trazendo
abundância de dólares. Na crise do final de 2008/09, o
mesmo desempenho: dois ou três meses de recessão,
seguidos de forte recuperação, situação atual.
No conjunto, todos os emergentes cresceram forte,
acumularam reservas internacionais e têm hoje o mesmo
problema da moeda local valorizada (exceto a China, que
mantém sua moeda desvalorizada, um caso à parte). Mas
reparem: nos anos dourados, 2003/08, o País cresceu
menos que os emergentes em geral e menos que a média
latino-americana.
Todos reduziram a pobreza e em todos se formaram
novas classes médias. E grande parte dos países tem
programas sociais tipo Bolsa-Família. O Chile Solidário,
por exemplo, para ficar na América Latina.
Mas por que o Brasil se tornou tão festejado no
mundo? Ora, porque o Brasil, estável, é um enorme país,
de amplas oportunidades econômicas. Isso já aconteceu
antes na história deste país.
Isso é o lulismo: estabilidade macroeconômica
ortodoxa, uma onda mundial favorável, um setor privado
(agronegócio e mineração) capaz de atender à demanda
global e dinheiro público para gastar com as diversas
clientelas, dos mais pobres até as grandes empreiteiras.
Um bom momento inflado pelo presidente no palanque.
O problema é que esse tipo de propaganda esconde
os problemas. No que o Brasil é diferente dos demais
emergentes importantes? É pelo pior: o País continua
consumindo mais do que produz, investe menos que a média
emergente (sim, com PAC e tudo, continua investindo
menos de 20% do PIB), cobra impostos demais de suas
empresas e pessoas, tem ainda a taxa de juros mais alta
do mundo, um gasto público exagerado e ineficiente, uma
bomba-relógio na Previdência.
O governo Lula simplesmente empurrou esses
problemas para a frente. Vão cobrar um preço quando o
mundo parar de ajudar. Aí surgirá uma nova interpretação
da era Lula, assim como da era FHC, um período de
reformas que se mostram duradouras.
Lula, claro, não é igual a Mao. Longe, muito
longe disso. Há um oceano entre um ditador e um
presidente eleito e reeleito. Mas o que têm em comum é a
enorme capacidade de formar a opinião pública. Mao,
transformando desastre em avanço heroico. Lula, herdando
um bom momento, para multiplicá-lo e assumir
pessoalmente todos os méritos.
E o presidente Fernando Henrique Cardoso
certamente é o nosso Deng.
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