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Muito além do salário
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Dr. José Pastore para o jornal O Estado de São Paulo
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No dia 24/3, o editorial deste jornal
explicou aos leitores que a baixa competitividade da
indústria manufatureira do Brasil está ligada a
deficiências históricas e que vão muito além do câmbio,
incluindo aí o custo exorbitante da energia, dos
impostos, do capital, da logística e da infraestrutura
precária. No que tange ao fator trabalho, o editorial
destacou o meteórico aumento dos salários.
Há mais de 30 anos venho escrevendo sobre o
exagerado custo das despesas de contratação no Brasil,
que chegam à elevada cifra de 102,43% sobre o salário.
Por muito tempo falei sozinho ou, quando notado, era
criticado por dirigentes sindicais, políticos e até
colegas da academia que questionavam os conceitos
básicos que embasavam aquele cálculo para dizer que as
referidas despesas de contratação eram muito menores.
Há poucos dias encontrei um dos críticos, hoje
ministro, que me pediu para ajudar a encontrar uma
maneira de reduzir aquelas despesas. Vi que o seu apelo
refletia o que hoje constitui uma preocupação central do
governo federal, que, por estar aflito com a perda de
competitividade da indústria de transformação, iniciou e
pretende prosseguir no processo de desoneração da folha
de salários.
O assunto é falado abertamente. As manchetes dos
jornais estampam a preocupação com a perversa combinação
de salários explosivos com produtividade cadente e,
portanto, com a disparada do custo unitário do trabalho.
Os estudos neste campo são feitos usando os
salários e os encargos sociais como a melhor "proxy"
para estimar o custo do trabalho. Devo dizer que se
trata de uma medida muito pobre, porque são inúmeros os
componentes do custo do trabalho que não são captados
por salário+encargos e que aumentaram de maneira
espantosa nos últimos tempos. Dentre eles têm destaque o
custo dos benefícios, como é o caso da participação nos
lucros ou resultados (PLR); o auxílio-alimentação; o
auxílio-creche; os convênios médicos; a previdência
privada e vários outros benefícios que hoje são comuns
no setor industrial. Além deles, há as despesas que
decorrem das normas públicas, como é o caso das cotas
para deficientes e aprendizes; das medidas de saúde e
segurança; do custo do contencioso trabalhista e das
indenizações, assim como o custo do bloqueio à
terceirização; e o da grande burocracia que se faz
necessária para destrinchar e administrar o enorme
cipoal das exigências trabalhistas e previdenciárias.
Não se podem esquecer ainda
das despesas que decorrem de licenças e
afastamentos, assim como as atreladas aos treinamentos,
adaptação e transferência dos empregados.
Há mais. Como no Brasil nem o passado é
previsível, inúmeras são as decisões de governo que
criam passivos inesperados, como ocorreu com a aprovação
do aviso prévio proporcional e com o adicional de 10% na
indenização de dispensa. Tudo isso sem falar nas
dispendiosas normas que estão sendo gestadas, como é o
caso do ponto eletrônico, na licença de 180 dias para a
gestante e de 15 dias para o pai, a licença para fazer
concurso público, o dia de folga para comemorar o
aniversário e o "auxílio solidão", vejam só, auxilio
solidão!
Agora que quase todo mundo concordou com os
102,43%, resolvi abandonar esse número. Ele serve apenas
para denotar as despesas sobre os salários. Mas nada diz
sobre os gastos acima indicados que, se puderem ser
matematizados, elevarão ainda mais o custo unitário do
trabalho, piorando sobremaneira a doença da baixa
competitividade da indústria de transformação.
Seria bom darmos uma parada para rever o que está
ocorrendo no mercado de trabalho, no Congresso Nacional,
nos Ministérios e nos tribunais de Justiça antes que
cheguemos à situação da Europa, onde as reformas
trabalhistas e previdenciárias estão sendo feitas a
fórceps e com muita dor.
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