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O não defensor dos pobres |
Sob o governo Maduro, 70%
das famílias poderão estar abaixo da linha de pobreza em
2015.
J. J., Gallagher,
The Christian Science Monitor - O Estado de São Paulo
29 Março 2015 |
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André Mendes, de pé sob um quente sol
tropical observa com atenção a rua congestionada à sua
frente. Ele vigia a entrada de um complexo de lojas e
apartamentos, mas o que é oferecido lá dentro está fora
do seu alcance. Um hambúrguer na praça de alimentação
deste shopping custa mais do que ele ganha por dia como
segurança. "Eu costumava comprar sem me preocupar. Agora
pergunto o preço antes, mesmo que seja um doce", disse.
Diante da escalada da inflação e da escassez de
produtos essenciais e remédios, um número cada vez maior
de pessoas luta para suprir suas necessidades básicas.
Em qualquer lugar entre um terço e metade da população
vive hoje na pobreza, segundo estudos divulgados nas
últimas semanas. E as privações crescentes da classe
trabalhadora venezuelana podem indicar problemas mais
adiante para o governo.
Dois anos depois da morte de Hugo Chávez, seus
aliados lutam para manter o país unido frente aos
protestos e à queda dos índices de aprovação do governo.
Chávez apresentou-se como defensor dos pobres durante
seus 14 anos no poder, canalizando bilhões de dólares do
petróleo em programas sociais. À medida que a pobreza
diminuiu a lealdade dessa camada da população por tanto
tempo ignorada aumentou. Mas o sucessor escolhido por
Chávez, Nicolás Maduro, herdou uma economia estagnada
que piorou com a queda dos preços internacionais do
petróleo.
A aprovação pública do governo caiu de 60% na
época de Chávez, em 2013, para apenas 23% em março. Com
o aumento da pobreza, muitos começam a questionar o que
isso significará para o futuro do chavismo.
"Se a situação piorar, o governo terá de encarar
uma população com pouquíssimas oportunidades, incluindo
sua base política", disse Dimitris Pantoulas, analista
político em Caracas.
As frustrações aumentaram nos últimos meses. O
governo instalou scanners de impressão digital nos
mercados controlados pelo Estado para monitorar as
compras e mobilizou a Guarda Nacional para manter a
ordem nos supermercados e farmácias. As filas para
comprar produtos difíceis de encontrar com frequência
vão até a rua. Muitos produtos subsidiados pelo governo
acabam nas mãos de comerciantes ilegais que os revendem
a preços que poucos trabalhadores podem pagar. "A festa
do petróleo acabou", diz Luis Pedro Espana, sociólogo da
Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, autor de
recente estudo sobre a pobreza e os programas sociais na
Venezuela.
As receitas do petróleo permitiram a Chávez
oferecer alimentos, habitação, assistência médica e
educação subsidiada para os pobres do país. Com os
preços do petróleo registrando a maior queda em cinco
anos, a Venezuela hoje está sem recursos e isso
significa escassez e inflação a qual oficialmente chegou
a 197% nos primeiros dois meses do ano. Cerca de 70% das
famílias poderão viver abaixo da linha de pobreza este
ano, segundo pesquisa de Pedro Espana, a maior taxa já
registrada desde que as estatísticas sobre pobreza
começaram a ser realizadas na década de 80.
Esses números abstratos se traduzem em problemas
de fato para os venezuelanos que já vivem no limite.
"Tudo está mais caro. E mais difícil", diz Carolina
Alfaro, funcionária de uma lanchonete que ganha 5.600
bolívares por mês, entre US$ 24 e US$ 36 às taxas do
mercado negro. Mendes, o segurança, diz que trabalha
seis dias por semana para conseguir sobreviver. "Eu
tinha ajuda do governo. Mas agora não. Estou
decepcionado."
Em 2013 a faixa da população da Venezuela vivendo
na pobreza aumentou quase sete pontos porcentuais, para
32%, de acordo com levantamento anual da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em
comparação com a média de 28% em toda a América Latina.
A equipe de Espana concluiu que o número de
famílias vivendo na pobreza na Venezuela subiu para 48%
em 2014. E, segundo uma ONG local, a Provea, suas
análises mostraram que a a Venezuela provavelmente
encerrará 2015 com o mesmo número de pobres que havia em
2001, praticamente cancelando todos os avanços obtidos
no governo Chávez.
A Venezuela ainda não chegou ao fundo do poço. As
coisas "podem piorar", diz David Smilde, analista do
Washington Office on Latin American, que vive no país
latino. Ele diz que a inanição e a fome extrema ainda
não são os principais desafios.
Além disso, muitos venezuelanos pobres desfrutam
hoje de um padrão de vida melhor do que tinham antes de
Chávez reformular o governo, diz Smilde. A taxa de
pobreza na Venezuela era de 63% em 2003, durante o
primeiro mandato de Chávez, e caiu para 25% em 2012, seu
último ano no poder, com base em dados do Banco Mundial.
O governo tem espaço para sobreviver à
turbulência econômica, diz Mark Weisbrot, codiretor do
Centro de Pesquisa Política e Econômica, com sede em
Washington. "Se a tendência atual continuar, o governo
vai ter problemas, mas não há nenhuma razão para
acreditar que eles não farão as mudanças necessárias",
afirmou Weisbrot.
Desde 2007, a Venezuela tomou dezenas de bilhões
de dólares emprestados da China para escorar suas
finanças. E também reduziu os programas de ajuda
estrangeira criados por Chávez, como o Petrocaribe, com
a venda de petróleo para nações caribenhas e da América
Central em condições preferenciais. O governo está
discutindo também a redução do subsídio à gasolina que
custa ao país mais de US$ 15 bilhões por ano.
Este mês a Assembleia Nacional concedeu poderes
para Maduro governar por decreto, pela segunda vez desde
que ele assumiu o governo em 2013.
Estes poderes perdurarão durante todo o ano e
muitos temem que eles serão usados para reprimir os
dissidentes políticos dentro do país.
Muitos venezuelanos estão profundamente
comprometidos com o chavismo, apesar das dificuldades
econômicas. "Se estamos numa situação ruim, porque voto
no governo?", questiona Jain Torrealba, pai de três
filhos que ganha salário mínimo como frentista. "Tenho
de ter paciência com o sistema, pois não vejo nenhuma
outra solução... para mim, que sou pobre", afirmou. /
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É JORNALISTA
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