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A tecnologia vai ceifar empregos. A educação precisa mudar

         


A evolução da tecnologia, como ocorreu no século 19, vai eliminar postos de trabalho. O remédio é uma transformação radical da educação

De Cláudia Vassallo para a revista Exame.

Estamos vivendo o que alguns especialistas já chamam de “A Segunda Era da Máquina”, um período particularmente excitante para os espíritos mais otimistas. Para eles, o avanço inacreditável e incontrolável da tecnologia e da capacidade de processamento dos chips nos levará a um tempo de abundância de recursos físicos e imateriais nunca visto na história.

Os otimistas têm o passado a seu favor. Até hoje, o progresso tecnológico só se transformou em avanço, gerando e distribuindo riqueza. Graças às máquinas, uma parcela significativa da humanidade teve corpo e mente libertados e passou a viver mais e melhor. Ninguém com o juízo em ordem pode ser contra isso.

E ninguém, por mais que deseje, vai conseguir deter as transformações que a tecnologia provocará nos próximos anos. A questão é que estamos numa fase desconfortável desse processo, e muitos mortos — leia-se empregos — ficarão pelo caminho. Resta saber quantos.

Dias atrás, Bill Gates, fundador da Microsoft, previu que a robotização da economia eliminará milhões de postos de trabalho, sobretudo nos países desenvolvidos, nos próximos 20 anos. Máquinas, segundo ele, tomarão lugar de garçons, motoristas e enfermeiros — um movimento rápido, que gerará pressões sociais e que vem sendo negligenciado pela maioria dos governos.

Hoje, mesmo nas nações mais ricas, esses garçons, motoristas e enfermeiros não estão preparados para assumir novas funções, em outros setores da nova economia. O conselho dado pelo homem mais rico do mundo para superar essa fase: congelar o salário mínimo e eliminar encargos trabalhistas, de forma que a contratação de humanos se mantenha mais atraente do que a introdução de novidades tecnológicas.

Pegou mal para Gates, sobretudo em um momento em que o aumento da desigualdade de renda entre os mais ricos e os mais pobres provoca polêmica em sociedades como a americana.

É uma situação que deve se agravar daqui para a frente — e uma parcela da “culpa” é da máquina. Os trabalhadores menos qualificados da Inglaterra pós-Revolução Industrial viveram um período de grande desconforto e privação durante um século, de 1750 a 1850. A ameaça do desemprego e o aumento momentâneo da desigualdade deram origem aos luditas, grupos de operários cuja reação à mudança era a vandalização das fábricas.

Uma reação compreensível, mas absolutamente vã. Foi apenas no fim do século 19 que o brutal aumento de produtividade causado pela adoção de novas tecnologias de produção surtiu efeito sobre os salários. O mundo ficou melhor para a maioria. Agora deve ficar pior para os que escolheram ou foram obrigados a escolher profissões condenadas à obsolescência.

É gente como os operários da americana Pilgrim’s Pride, processadora de carne de frango controlada pelos brasileiros da JBS. A tarefa de alguns deles era cortar as peças em pedaços cada vez menores e mais uniformes. Hoje, uma máquina de 1,3 milhão de dólares faz esse trabalho, com precisão muito superior à de qualquer humano.

Nos últimos quatro anos, a Pilgrim’s Pride eliminou 5 500 empregos nos Estados Unidos — o equivalente a 15% de sua força de trabalho no país. Em 2010, a empresa enfrentava um processo de recuperação judicial. No ano passado, o lucro foi de mais de meio bilhão de dólares.

É provável que o futuro não conheça cortadores de frango. É provável também que, para as próximas gerações, profissões como piloto de avião, soldado e guarda de trânsito façam companhia aos datilógrafos e operadores de telégrafo de um passado não muito distante.

Um estudo publicado em 2013 pelos pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford, defende que 47% dos empregos de hoje poderão ser automatizados nas próximas duas décadas. O furacão pega primeiro operadores de telemarketing, auditores, vendedores e corretores de imóveis. Logo depois, atinge economistas, bombeiros, engenheiros químicos, editores — profissionais que poderão ser substituídos por algoritmos.

Quebrar os computadores ou rejeitar o avanço tecnológico é tão inútil e ridículo quanto entrar em fábricas para destruir máquinas. Mas é ingênuo acreditar que esse processo de destruição criadora não vá gerar fortes tensões sociais nos próximos anos. Um futuro muito melhor não serve de consolo para quem vai viver um presente de privações.

O remédio, assim como aconteceu no pós-Revolução Industrial, está na radical mudança do sistema educacional. Nossas escolas terão de preparar, desde já, cidadãos e profissionais que se adaptem a essa economia nascente. Gente de pouca qualificação não será poupada. Trabalhadores criativos e de pensamento crítico serão cada vez mais valorizados.

Nenhum país parece realmente preparado para isso. Certamente, o Brasil, que gera cada vez mais empregos na base da pirâmide de qualificação, achatando sua produtividade, olha para trás. Péssima escolha. O furacão da mudança pode demorar um pouco mais para chegar até aqui. Mas é certo que ele virá.

Artigo de autoria de Cláudia Vassallo, jornalista e superintendente da Unidade Exame da Editora Abril, publicado na edição 1062 da revista Exame.

 
 
 

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