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Custo Brasil, uma sobrecarga de 36%

Segundo estudo inédito da Abimaq, produzir no Brasil sai muito mais caro do que na Alemanha e nos EUA.

Marcelo Rehder para o jornal O Estado de São Paulo
08 de março de 2010

O chamado Custo Brasil, conjunto de fatores que comprometem a competitividade e a eficiência da indústria nacional, encarece em média 36,27% o preço do produto brasileiro em relação aos fabricados na Alemanha e nos Estados Unidos. Somado ao câmbio valorizado, esse custo ajuda a explicar a tendência de especialização cada vez maior do País em exportar produtos primários e semimanufaturados, e de importar mais produtos de maior valor agregado e de tecnologia avançada.

"Imagine que um alemão apaixonado pelo clima tropical resolvesse trazer sua fábrica de porteira fechada para o Brasil, incluindo mão de obra e máquinas. O preço do mesmo produto que ele fabrica hoje na Alemanha subiria automaticamente 36,27% só pelo simples fato de passar a produzir no Brasil", diz o empresário Mário Bernardini, assessor econômico da presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Bernardini coordenou estudo inédito da Abimaq que mede o Custo Brasil pela primeira vez nos últimos 20 anos. "Todo mundo sabe que o Custo Brasil existe, mas nunca ficou claro o tamanho do problema", comentou o empresário ao apresentar o trabalho em reunião plenária da Abimaq em São Paulo na semana passada.

Ele ponderou que, na verdade, trata-se de uma tentativa de avaliação, pois foram mensurados oito itens e o Custo Brasil tem ao menos mais outros 30 que não se consegue transformar em números.

"É um piso, pois seguramente o número é maior que 36%, já que não engloba tudo e foi comparado com países que não são os mais baratos do mundo", disse Bernardini ao Estado.

Segundo ele, se a comparação fosse com a China, o número dobraria de tamanho. "Fomos conservadores de forma proposital, pois o mundo inteiro tem problemas com a China", disse o diretor de Competitividade da Abimaq, Fernando Bueno.

Entre os componentes do Custo Brasil, medidos pela Abimaq, estão o impacto dos juros sobre o capital de giro, que na média gera custo 7,95% superior ao dos concorrentes internacionais, e preços de insumos básicos, cuja diferença de custos é de 18,57% entre a produção nacional e a americana e alemã. Outros fatores de custo adicional: impostos não recuperáveis na cadeia produtiva (2,98%), encargos sociais e trabalhistas (2,84%), logística (1,90%), burocracia e custos de regulamentação (0,36%), custos de investimento (1,16%) e custos de energia (0,51%).

"Corremos o risco de ver parte do setor produtivo ser transformado em montador, numa indústria que só tem casca e cujo conteúdo vem de fora", alerta o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, assessor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Setor de máquinas e equipamentos perde espaço no mercado mundial

País cai da 5ª para a 15ª posição no ranking e alguns fabricantes deixam de produzir para revender produtos importados

Sem condições de competir em pé de igualdade com os chineses, fabricantes de máquinas e equipamentos deixam de produzir no Brasil e passam a importar e revender produtos asiáticos no mercado doméstico com o carimbo da sua marca. Cada vez mais empresas tradicionais como a Kone, fabricante de máquinas-ferramenta (tornos, furadeiras e fresadoras) de Limeira (SP), são obrigadas a substituir a produção local por importações da China e Taiwan para não ter de fechar as portas.

Sob o ponto de vista técnico, os equipamentos nacionais são competitivos. Do ponto de vista financeiro, no entanto, a competitividade fica comprometida devido a fatores alheios ao controle dos fabricantes, como a taxa de câmbio.

Os fabricantes de máquinas sofrem impacto do chamado Custo Brasil maior que a indústria brasileira como um todo. De acordo com a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o conjunto de custos internos que só existem no País onera em 43,85% a produção nacional de bens de capital comparada com a fabricação na Alemanha e Estados Unidos (ver quadro ao lado).

A desvantagem comparativa com a China não foi medida, mas a organização estima que esteja perto dos 100%. Para o conjunto das indústrias brasileiras, o acréscimo é de 36,27%.

"Já deixamos de fabricar a maioria dos nossos equipamentos e, dentro de seis meses, vamos avaliar se passamos a ser exclusivamente importadores, coisa que não gostaríamos", diz o presidente da Kone, Marcelo Cruañe.

Ele afirma que o processo de substituição começou há cerca de três anos. Na época, a mudança enfrentou a oposição do seu pai, Enock Cruañe, presidente do Conselho de Administração da empresa.

"Meu pai, que tem hoje 78 anos, foi capitão de empresa por quase 60 anos e demorou para se convencer de que se não importássemos máquinas da China a empresa quebraria", conta o executivo. "Compramos 10 máquinas chinesas, vendemos em uma semana; compramos mais 20 e vendemos em 15 dias. Só assim meu pai deu o braço a torcer."

Desde então, a empresa vem de vento em popa. De 50 a 60 máquinas, passou a vender 270 a 320 por mês. O quadro de pessoal, que nos tempos áureos chegou a mais de 400 funcionários, hoje não passa de 100. Contudo, a lucratividade triplicou. "O preço de uma máquina chinesa não paga sequer a matéria-prima no Brasil. O quilo do ferro fundido aqui custa cerca de US$ 3 e eu compro máquina chinesa pronta por R$ 2,5 a R$ 3 o quilo."

DESINDUSTRIALIZAÇÃO

O caso da Krone não é um exemplo isolado. "Está havendo um processo de desindustrialização no Brasil", diz o presidente da Abimaq, Luiz Aubert Neto. Ele lembra que o País já foi o quinto maior produtor de máquinas do mundo há alguns anos e hoje ocupa a 15ª posição.

Um dos segmentos mais prejudicados é o de válvulas industriais, equipamentos usados em obras de saneamento básico, indústrias de açúcar e álcool e petróleo, entre outros. A participação de mercado dos equipamentos nacionais, que era de 60% há quatro anos, hoje não passa de 20%, diz o presidente da SMV Válvulas Industriais, Erfrides Bortolazzo Soares.

De acordo com ele, a maioria dos fabricantes brasileiros deixou de produzir totalmente ou determinadas linhas no País e passou a trazer produtos de fora, principalmente da China. A própria SMV importa um complemento de linha originário do país asiático.

Para a Abimaq, ainda que indispensáveis para a sobrevivência das indústrias nacionais, os esforços para melhorar a produtividade acabam compensando apenas pequena parte da desvantagem brasileira. "Só investir em equipamentos, processos, tecnologia e inovação não basta diante do peso do Custo Brasil", afirma Aubert Neto.

Nos últimos três anos, a fabricante de guindastes Madal Palfinger, de Caxias do Sul (RS), investiu para aumentar a produtividade em 30%. Ainda assim não consegue concorrer com o preço baixo chinês no segmento de guindastes telescópicos. O gerente da linha de produtos para a América do Sul, Silvio Gatelli, diz que os equipamentos chineses custam cerca de 50% menos que os brasileiros. "O preço de um guindaste telescópico nosso de 30 toneladas de capacidade máxima, junto com um caminhão, sai em torno de R$ 1 milhão. Por esse mesmo valor, os chineses colocam na porta do cliente uma máquina de 70 toneladas, mais que o dobro da capacidade da nossa", informa Gatelli.

Como se não bastasse a enorme vantagem comparativa, representantes dos produtos chineses no Brasil ainda se deram ao luxo de promover uma liquidação de guindastes no fim de 2009, com oferta de descontos de até R$ 300 mil.

"Para desovar o estoque de máquinas ano 2009 e começar 2010 com maquinário do ano, o preço dessas máquinas foi reduzido de R$ 1 milhão para R$ 700 mil", diz o executivo. Segundo ele, os chineses já dominam 95% do mercado brasileiro de guindastes telescópicos. Existem cinco fabricantes no País. "Continuamos competitivos no segmento de guindastes articulados, mas nossos concorrentes que não fabricam essa linha terão sérios problemas."

'Commoditização' avança no País, afirma empresário

Participação da indústria no PIB caiu de 45% para 28% desde os anos 80

DESVANTAGEM - País exporta matéria-prima e importa produto pronto

O Custo Brasil é como um imposto que incide em cascata em todos os elos de uma cadeia produtiva. Dessa forma, reduz progressivamente a competitividade dos produtos brasileiros à medida que a cadeia produtiva se alonga. Ou seja, os favorecidos são justamente os setores produtores em grande escala de bens intensivos em recursos naturais e com menor capacidade de agregação de valor, que assim conseguem crescer a taxas mais aceleradas que o restante da indústria.

"Estamos falando do avanço do processo de "commoditização" da indústria brasileira, o que significa desindustrialização", afirma o empresário Mário Bernardini, assessor econômico da presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Para o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, assessor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o País está na contramão do que acontece no mundo bem sucedido. "O segredo do sucesso da China, de uma grande indústria alemã ou dos Estados é que uma etapa a mais de transformação industrial agrega valor e competitividade. No nosso caso, agrega muito custo e retira competitividade."

Bernardini observa que a participação da indústria brasileira no Produto Interno Bruto (PIB) registra queda desde os anos 80. A contribuição do setor para a geração de riquezas no País caiu de aproximadamente 45% para cerca de 28%, enquanto o PIB per capita se estabiliza abaixo de US$ 10 mil.

"Em países em condições normais de desenvolvimento, a queda da participação da indústria no PIB vem acompanhada pelo aumento do PIB per capita, indicando que os serviços passam a ter maior peso na economia e que a indústria não se reduziu nominalmente."

Mario Bernardini acrescentou que, nos últimos dez anos, o investimento no Brasil cresceu a uma média anual de 8%. A questão é que 90% desses investimentos são concentrados em setores ligados a commodities (matérias-primas) agrícolas e minerais. "Nossa desindustrialização é seletiva, já que nas commodities temos vantagens que superam as desvantagens do Custo Brasil”.

Gomes de Almeida cita que o País é campeão em competitividade na área de celulose, mas na hora de transformar a matéria-prima em papel perde toda a competitividade. "O Brasil perde gradativamente densidade industrial. Isso significa abrir mão de potencialidade de crescimento econômico, de geração de empregos mais remuneradores e de arrecadação de impostos."

Para mudar o quadro, o economista diz que o País precisa de uma política industrial de vários vértices, incluindo regulação em áreas como portos, crédito, infraestrutura, câmbio e inovação nas empresas. O presidente da Abimaq, Luiz Aubert Neto, enviou o estudo da entidade sobre o Custo Brasil para a equipe econômica do governo e para os candidatos à Presidência da República. M.R.

 
 
 

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