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Da pirambeira à frente, o
governo nem quer saber...
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Marco Antonio Rocha, jornalista, para o jornal O Estado
de S. Paulo
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"Um espectro ronda a Europa." Cabe
parafrasear o início do Manifesto Comunista de Karl
Marx, de 1848. Só que, desta feita, não é o espectro do
comunismo ? como ele vaticinava ?, mas o do capitalismo
financeiro em desordem e desgovernado, que ronda a
Europa e o mundo todo, e com tudo o que se pode
qualificar de mais selvagem, na opinião de muitos
críticos modernos.
Uma senhora aposentada, de cabelos brancos, entra
no elevador do prédio onde mora o jornalista, empurrando
seu carrinho de feira, e indaga com o semblante
preocupado: "O que o senhor acha que vai acontecer? Essa
situação da Grécia vai prejudicar o Brasil e bater no
nosso bolso?"
Tudo indica, pelas conversas de rua, que o
noticiário sobre o que acontece com a Grécia, na Grécia
e na Europa em geral, já "não é grego" para o
entendimento do brasileiro comum. Até pouco tempo atrás
era raro o cidadão ou a cidadã, no Brasil, se inquietar
com o que se passava em paragens distantes no mundo das
altas finanças internacionais. Nós vivemos "tão
apertadas" ? diria a dona de casa nas TVs ? com coisas
miúdas como o preço do feijão e da cesta básica (que
aliás teve bom aumento em abril), que não podemos perder
tempo para tomar conhecimento dessas confusões de gente
rica ? é melhor que eles mesmos se entendam...
Não é essa a reação que mais se podia esperar do
comum dos brasileiros?
Parece que não é mais tão assim. O fantasma que
ronda a Europa começou a rondar também o espírito de boa
parte dos brasileiros, devido, pensamos nós, à lição
oferecida pela recente crise que começou com os créditos
imobiliários podres nos Estados Unidos e se espalhou
pelo mundo. Os brasileiros, embora menos afetados,
sentiram que o Brasil não esteve tão "blindado" nem
escapou tão ileso daquela crise ? como gostam de
proclamar os porta-vozes do governo e os fâmulos do
presidente Lula, tentando incutir na cabeça do povo que
foi graças a eles e aos seus iluminados tirocínios que o
País passou incólume (sic) pelo vendaval. O povo
percebeu, no entanto, que houve queda da produção, do
PIB, do emprego, da renda, etc. ? mesmo que, a bem da
verdade, a recuperação tenha sido rápida.
Mas ficou a lição. E por isso os acontecimentos
na Grécia não estão sendo olhados com a indiferença
popular que se costumava constatar.
E é oportuna essa nova atitude de alerta, até
para evitar que Lula se refugie no seu habitual otimismo
galopante e saia a falar de novo em "marolinha".
O clima de alarma e quase pânico que varreu a
Europa na semana passada, a pancadaria e as mortes nas
ruas de Atenas e os protestos e passeatas na Alemanha,
França, Espanha e Portugal abriram caminho para todo
tipo de menções relacionadas com a rica epopeia grega.
Presente de grego, olimpíada do calote, cavalo de Troia,
etc.
Uma delas me chamou a atenção: "A Ágora assalta a
Acrópole" ? imagem chique das manifestações em Atenas
contra o FMI e os financistas europeus e que levaria
Marx a escrever: "Esbulhados de todo o mundo, uni-vos!",
uma vez que, de fato, os esbulhados de todo o mundo
deveriam se unir para pôr fim à farra desse financismo
virtual que circula pelo planeta com a velocidade da luz
graças à internet. Em busca do quê? Rigorosamente, de
nada, pois apenas procura o maior lucro possível nas
próximas 24 horas, e só! Dinheiro correndo atrás de
dinheiro.
Esse jogo improdutivo sempre existiu, seja dito.
Mas hoje, além de avassalador, não é apenas improdutivo,
mas também destrutivo, como se viu na crise de três anos
atrás e como se verá nesta. O capital produtivo, que
constroi empresas, empregos progresso cultural e
riquezas, de fato se vê deslocado e esmagado pelo
tsunami diário de uma especulação que, aparentemente, os
bancos centrais e os governos não conseguem controlar ?
admitindo que queiram de fato controlá-la.
A crise da Grécia não é só dela, já se disse. É
da Europa toda, do euro, da administração dessa moeda
inadministrável, como mostrou objetivamente o artigo
Mais Europa, e não menos, do nosso colunista Celso Ming,
na quinta-feira passada. E do sistema financeiro
mundial.
O desgoverno financeiro é o motor de partida de
crises, como foi na dos Estados Unidos, com a incúria de
um Fed otimista demais e leniente demais com a alta
finança. Ou na da Grécia, com a incúria de políticas
fiscal e monetária demagógicas. Crises previsíveis pelos
economistas que pensam com autonomia e, de fato,
previstas. Mas nenhuma medida acauteladora foi tomada.
Como no Brasil, agora, pois até a Ata do Copom
(governista) já fala em "deterioração do cenário
prospectivo". A crise do subprime nos pegou com divisas
em alta, balança comercial em alta, transações correntes
superavitárias, inflação aquietada, demanda em
crescimento sustentável e contas fiscais sob controle.
Já agora isso tudo está com sinal trocado. E é nesse
cenário desfavorável que a crise da União Europeia (UE)
pode nos pegar.
Não obstante, todo mundo no governo só tem olhos
na nuca para ver a boa velocidade que a economia vinha
desenvolvendo até agora, sem querer saber da pirambeira
pela frente. |
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