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Direito de gestão

Almir Pazzianotto Pinto

Trava-se dura e incerta batalha, no terreno da economia real, entre o direito de gestão do empresário e a desabrida fúria intervencionista do Estado.

A cada novo dia as empresas privadas sentem reduzir-se o círculo dentro do qual proprietários, diretores e gerentes gozam de autonomia para administrar o negócio e que, mesmo no interior do apertado espaço, atos legítimos e próprios de administração são submetidos ao arbítrio do Estado.

Em velocidade acelerada o sistema que, segundo a Constituição Federal, privilegia a iniciativa privada, reconhece a função social da propriedade e estimula a livre concorrência cede lugar ao modelo de economia centralizada, controlada e rigidamente dirigida, como se caminhássemos em direção ao regime que se revelou catastrófico para os países onde era praticado.
O sentimento geral é de que integrantes do Executivo e do Legislativo, com a aparente colaboração de setores do Judiciário, se encontram comprometidos com a idéia do estrangulamento do empreendimento particular, para retornarmos à economia estatizada.

Recolho da jurisprudência exemplos recentes da incompreensão que cerca empresários e trabalhadores, relativos à substituição processual e à interpretação dos efeitos da aposentadoria. Admito que são assuntos áridos para matéria jornalística.

Sucede, porém, que as repercussões sociais e econômicas de tais julgados recomendam que sejam submetidos à análise pública, na esperança, talvez inócua, de que juízes, ministros e tribunais admitam a possibilidade de repensar tão controvertidos temas.
É princípio salutar de processo que, para ingressar em juízo, deverão estar presentes, na pessoa do autor, interesse e legitimidade. Destarte, salvo excepcionais casos autorizados por lei, a ninguém é dado o direito de discutir, em nome próprio, direito de terceiro. E isso porque cabe ao titular da alegada pretensão decidir sobre a oportunidade, a conveniência e os riscos de reivindicá-la judicial e publicamente.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) definiu, com nitidez e objetividade, as hipóteses de substituição processual. Deu-se o mesmo com leis salariais, cujo período de vivência se encerrou.
Ao julgar recurso extraordinário impetrado por sindicato de trabalhadores contra determinada empresa, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, porém, ser correto alargar o instituto da substituição processual, para conceder a milhares de entidades sindicais, de todos os tipos, idoneidades, representatividades e qualidades, o direito amplo, geral e irrestrito de ajuizar ação contra empregador ou empregadores, na busca daquilo que entenderem devido aos membros da categoria profissional, e não apenas aos associados.

Mais recentemente, o mesmo conspícuo STF decidiu, de maneira inédita e preocupante, que a aposentadoria voluntária (repito: voluntária) não dissolve o contrato de trabalho. Conforme proclama o julgado, deferida aposentadoria requerida espontaneamente pelo empregado, o empregador pode dispensá-lo desde que lhe pague a indenização e outras parcelas devidas nas hipóteses de dispensa desmotivada. Confundiu o Supremo pedido voluntário de aposentadoria com demissão unilateral praticada pelo empregador, sem que houvesse justo motivo ou falta grave.

O precedente gerado pelo STF, contra o voto do ministro Marco Aurélio - cuja antiga familiaridade com assuntos sindicais e trabalhistas não poderia ser ignorada -, deverá provocar caudalosa enxurrada de reclamações propostas por aposentados que, nos últimos dois anos, se desligaram do emprego ao alcançarem a aposentadoria.

Reivindicarão, respaldados no julgado do Supremo, indenização de 40% calculada sobre depósitos corrigidos do FGTS, além de outras tantas diferenças, às quais agregarão, provavelmente, dano moral. Da noite para o dia, decisão judicial equivocada gerou incalculáveis passivos trabalhistas para milhares de grandes, médias, pequenas e microempresas, sem que houvessem dado motivo e que a alguém ocorresse a lembrança de custos e condições de suportá-los. Há de se reconhecer, ainda, que o julgado envelhece e estratifica a força de trabalho, eliminando vagas que seriam abertas pelos aposentados.

Servidores públicos civis e militares se aposentam e criam oportunidades para novas gerações de candidatos à colocação no congestionado mercado de trabalho. Não há notícia, entretanto, de servidor que, no dia imediato ao da jubilação, tenha voltado à seção, batido ponto e continuado a despachar requerimentos. Ou de militar que, após passar à reserva, tenha retornado ao quartel para dar ordem unida e comandar tropa.

Não vejo óbice à manutenção do aposentado, se o empregador o tem como imprescindível. A anomalia ocorre quando, por interpretação mágica da Constituição, o Estado lhe ordena que o faça sob pena de pesada sanção financeira. Se o dilema está no baixo valor do benefício, que o governo o enfrente sem trancar o mercado de trabalho.

Outro grave enigma administrativo para a iniciativa privada se vai concretizar se forem verídicas as notícias, divulgadas pela imprensa, de que ninguém poderá perder o emprego, salvo se a empresa falir, encerrar atividades ou mediante prévia concordância do sindicato de classe.

Lei, na definição de Savigny, "é a norma que permite fixar as fronteiras invisíveis dentro das quais a existência e as atividades dos indivíduos adquirem liberdade e segurança". No Brasil - onde se diz que até o passado é imprevisível -, cumprir a lei não garante liberdade e segurança à iniciativa privada, que arca com os riscos do negócio, enquanto lhe acrescem, pela via inconstante da jurisprudência, empecilhos para administrá-lo de acordo com as exigências sociais, técnicas e de mercado.

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, aposentado

 

 

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