"Para o que chamavam de ‘direita’ e
hoje chamam de ‘base aliada’, o interesse básico é
precisamente o mesmo – dinheiro"
Dia após dia, nestas últimas semanas, o público
vem se admirando com exibições de amor entre gente que
deveria se odiar. Por que estariam aos abraços, fazendo
elogios radicais uns aos outros, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Collor e
o atual presidente do Senado, José Sarney? Lula, numa
declaração inesquecível, disse que Sarney era "o grande
ladrão da Nova República"; contra Collor, ele e o seu
partido se jogaram numa guerra de extermínio desde o
primeiro dia de seu governo e só sossegaram quase três
anos depois, quando o inimigo foi posto para fora da
Presidência. Collor, por sua vez, disse que Sarney era
um "batedor de carteira" – carteira "da história", em
suas palavras, o que não é tão ruim quanto uma carteira
de verdade, mas assim mesmo é coisa para lá de pesada.
Também afirmou, na sua disputa presidencial contra Lula,
que o adversário iria expropriar as casas e apartamentos
das pessoas se fosse eleito – isso para não falar da
humilhação pública que lhe impôs ao levar para
a televisão uma ex-companheira do atual
presidente, que o acusou de racismo e de pressão para
abortar a filha que acabariam tendo. Sarney se queixa
até hoje das 1 200 greves, a maioria comandada pelo PT,
que teve ao longo de seu governo, e já descreveu Collor
como "um homem profundamente transtornado".
A vida passa, o mundo gira, e eis aí os três,
hoje, como os melhores amigos do mundo. Como é que pode?
Para o brasileiro comum, que tem pouca paciência,
interesse ou respeito por política e políticos, a
resposta é curta: é tudo safadeza. Para os analistas que
precisam dar explicações de caráter algo mais técnico,
esse melado geral é a busca da "governabilidade" – ou
seja, a maioria dos homens públicos tem de engolir mais
ou menos tudo, ou não se consegue governar o Brasil. A
explicação mais realista, porém, provavelmente está no
fato de que Lula, Sarney, Collor e o restante de sua
tropa querem exatamente a mesma coisa e estão exatamente
do mesmo lado; por isso se entendem tão bem. A coisa que
querem hoje é a mesma que quiseram sempre: manter de pé
o Brasil velho, onde o que importa é o mundo do governo
e do Erário, e não o mundo do trabalho e da produção.
Para Lula e o PT, este é o Brasil que serve para
empregar gente do partido e arredores, financiar ONGs
criadas pelos amigos, passar dinheiro público para as
suas empresas "terceirizadas", sustentar centrais
sindicais que não prestam contas, e por aí se vai. Para
o que chamavam de "direita" e hoje chamam de "base
aliada", o interesse básico é precisamente o mesmo –
dinheiro –, que perseguem na forma de empregos, verbas,
fundações, emissoras de rádio e TV, licenças, isenções,
anistias e tudo o que conseguem arrancar da máquina
estatal. Os dois lados, em suma, não poderiam ser mais
parecidos; as empreiteiras de obras públicas, aliás,
gostam de ambos. Tudo isso, naturalmente, exige muito
imposto para ser pago – de 1º de janeiro de 2009 até o
fim da semana passada, mais de 630 bilhões de reais.
É claro que essa liga é feita de material
resistente; vive-se muito bem dentro dela. Dá para
entender perfeitamente o espírito da coisa quando se
considera que Brasília, a sua cidade-guia, não produz
uma caixinha de chicletes, mas tem a maior renda per
capita do país – mais de 20 000 dólares anuais. Essa
renda, naturalmente, se distribui à la brasiliense; uma
capita de Taguatinga, com certeza, vale muito menos que
uma capita do Lago Sul. Mas o Brasil velho não é mesmo
para todo mundo, conforme reza a mais recente doutrina
do presidente Lula; é para ser desfrutado em primeiro
lugar por pessoas como o senador Sarney, por exemplo,
que não pode ser tratado como "um cidadão comum".
Lula diz essas coisas e tem esses amigos porque
acha que, com sua popularidade, pode tudo – aliás, como
diz o deputado Ciro Gomes, ninguém mais conseguiria
defender ao mesmo tempo Sarney, Collor e Renan Calheiros
e continuar vivo politicamente. Mas o problema central
de Lula pode não estar nos aliados que tem hoje e sim
nos aliados, de verdade, que teve em outros tempos.
Conforme se noticia, a senadora e ex-ministra Marina
Silva, após trinta anos de PT, estaria pronta a mudar de
ambiente e lançar sua própria candidatura à Presidência
em 2010, batendo de frente com Dilma Rousseff, a
candidata que Lula quer ver no seu lugar. Marina pode
ter ideias equivocadas; mas não abandonaria nenhuma
delas em troca de uma diretoria na Eletrobrás ou de
empregos para as sobrinhas. Com gente assim o manual de
conduta do Palácio do Planalto não tem como lidar.
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