"Ocupar fazenda de banqueiro bandido
é dever do povo brasileiro." Assim falou o delegado
Protógenes Queiroz, que chefiou a Operação Satiagraha,
da Polícia Federal. Com a tirada, em evento do PSOL, ele
defendeu as ações do Movimento dos Sem-Terra (MST), que
já invadiu pelo menos oito fazendas de Daniel Dantas.
Pior do que o soneto foi a emenda.
"Não estou fazendo apologia criminosa de nada. Não estou
incentivando ninguém a invadir terra produtiva. Estou
falando que vou revelar em que condições essas terras
foram adquiridas e quais os interesses escusos por trás
disso." Conclusão: ele será a fonte do direito de
esbulho de propriedade alheia.
O direito de propriedade tem
papel fundamental na promoção do desenvolvimento, mas
ele só existe se for garantido pela lei, contra a ação
predatória de governantes e saqueadores, açulados por
visões arbitrárias como a do delegado.
O direito de propriedade está na
origem do fascinante processo de crescimento e bem-estar
dos últimos dois séculos. Antes, a propriedade (e não o
direito a ela) havia sido discutida por distintos
filósofos: Platão, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino,
Hegel, Hobbes, Locke, Hume, Kant e outros.
Já havia venda de propriedades
na Suméria. Textos anteriores ao Código de Hamurabi
previam penalidades contra o roubo. A idéia de
propriedade está implícita no sétimo mandamento: "Não
furtarás".
A propriedade é um conceito
abstrato, que implica a posse de riqueza. Ela existe
sobre um imóvel, um automóvel, um título de crédito ou
uma invenção patenteada (propriedade intelectual). Seu
complemento é o direito de propriedade, aquele
reconhecido pelo ordenamento jurídico, que um Judiciário
independente faz cumprir.
Segundo Armen Alchian, o direito
de propriedade é uma forma de "atribuir a indivíduos a
autoridade para escolher, em relação a bens específicos,
qualquer utilização entre as classes de uso não
proibidas". Não é permitido cultivar maconha, estacionar
um veículo em qualquer lugar e assim por diante.
O atual direito de propriedade
nasceu nos séculos XVII e XVIII na Europa, na esteira de
mudanças institucionais que aboliram o poder dos reis de
confiscar bens ou de limitar o seu uso legítimo. Antes,
os indivíduos não tinham segurança em relação a seus
bens e respectivos frutos. Era baixo ou inexistente o
incentivo ao investimento.
Com o direito de propriedade, os
benefícios da atividade econômica, depois de pagos os
tributos legítimos, passaram a pertencer inequivocamente
a quem assume o risco de empreender. Pesquisas mostram
que o acesso à casa própria constitui a maior aspiração
das famílias pobres e de classe média.
Karl Marx e seus seguidores
defenderam a abolição da propriedade privada,
identificando-a como a fonte de todos os males sociais.
A adoção dessa equivocada ideia foi, como se sabe, um
enorme desastre. Daí o restabelecimento do direito de
propriedade após o fracasso do socialismo soviético. Na
China, mudança constitucional recente qualificou de
sagrado esse direito.
A importância do direito de
propriedade não foi de todo assimilada nos países de
tradição ibérica. No Brasil, a Constituição menciona a
"função social da propriedade", conceito inexistente nos
países anglo-saxônicos. Nestes, entende-se que a
propriedade cumpre função social quando o direito a ela
cria incentivos para sua utilização nos melhores e
legítimos usos, produzindo o máximo de crescimento e
bem-estar.
O conceito de "função social da
propriedade" pode prestar-se a interpretações absurdas e
criar riscos para quem empreende e investe. O mesmo se
pode dizer da idéia de "propriedade rural improdutiva",
que tem permitido ao MST se arvorar no direito de
invadir fazendas. Mesmo que uma propriedade seja
"improdutiva", a desapropriação é uma violência
exclusiva do estado, de acordo com a lei e mediante
justa indenização.
O mesmo raciocínio se aplica aos
imóveis de Daniel Dantas. Se provado que a propriedade
deles é indevida, cabe ao estado, observado o devido
processo legal, reparar o erro. Imaginar que um delegado
teria o poder de autorizar o esbulho constituiria um
desprezo a uma das grandes conquistas da civilização.
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