José Pastore*
Seria o fim da dolce vita na
Europa? Ainda não. Mas muitos países estão ampliando a
jornada de trabalho.
Por uma lei aprovada em 23 de julho de 2008,
empregados e empregadores franceses ganharam a liberdade
de negociar horas e dias de trabalho além das 35 horas por
semana.
Aquela jornada não deu certo. No fim da década de
90, a França crescia mais do que a média dos países da
União Européia e estava entre os dez melhores países do
mundo em matéria de competitividade. A jornada legal de
trabalho era de 39 horas por semana e a maioria dos
franceses trabalhava mais do que isso.
Com a introdução da jornada de 35 horas semanais, o
país caiu para o 18º lugar em competitividade. Entre 55
países estudados pelo Instituto Internacional para Gestão
de Desenvolvimento (IMD, na sigla em inglês) de Lausanne,
40 países vêm aumentando a sua capacidade de competir,
enquanto a França a diminui.
As tentativas de reforma da lei das 35 horas no
governo anterior fracassaram. A França vem trabalhando
cada vez menos. Em 2007, os franceses trabalharam, em
média, 1.561 horas - quase 300 a menos do que em 1979.
A lei aprovada não revogou a anterior, mas abriu a
possibilidade de cada empresa negociar livremente com seus
empregados o número de horas extras a serem trabalhadas,
cujo valor será acertado entre as partes, respeitando-se
os 10% estabelecidos por lei.
Para os empregados administrativos (cadres), o
número de dias trabalhados por ano saltará dos 218 atuais
para 235, podendo chegar até a 282, mediante negociação
individual. Um aumento expressivo.
É claro que manifestações contrárias virão. Mas
Nicolas Sarkozy tem a resposta preparada: não revogamos
nada; apenas demos liberdade para quem deseja trabalhar
mais e ganhar mais.
Não foi só a França que ampliou a jornada de
trabalho. Em 9 de junho de 2008, o Conselho de Emprego e
Assuntos Sociais em Bruxelas determinou que a jornada
semanal de trabalho em toda a União Européia pode chegar
até a 65 horas, mediante negociação dos empregados com as
empresas, com ou sem a participação dos sindicatos.
Em vários países da Europa, a ampliação de jornada
já havia ocorrido no nível das empresas. Temendo uma fuga
em massa de fábricas para o Leste Europeu, Siemens, Bosch,
Daimler Benz, Volkswagen e várias montadoras de veículos e
fabricantes de autopeças da Alemanha iniciaram, em 2004,
um processo de reformulação dos contratos coletivos de
trabalho nos quais constava, dentre outras, a cláusula de
ampliação de jornada de trabalho sem aumento de salário.
Com a decisão do Conselho, essa prática poderá ser
estendida para vários Estados membros.
Enquanto isso, as centrais sindicais do Brasil
fazem campanha pela redução da jornada legal de trabalho
para 40 horas por semana.
Em vários países, a jornada semanal legal é de 48
horas: Dinamarca, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda,
Itália, Chipre, República Checa, Lituânia, Luxemburgo,
Malta, Holanda, Chile, Argentina, Uruguai e, agora, toda a
União Européia.
Dentre os países que possuem 44 horas semanais
estão Canadá, Coréia do Sul e China. Dentre os países com
menos de 44 horas estão Áustria, Bulgária, Estônia,
Finlândia, Letônia, Noruega, Polônia, Portugal,
Eslováquia, Espanha, Suécia, Bélgica e França - mas todos
com flexibilidade para trabalhar mais mediante acerto
entre as partes e dentro de limites.
Por que os países mantêm as jornadas legais
extensas? Porque, em caso de necessidade, como ocorreu na
Alemanha em 2004, empregadores e empregados têm interesse
em trabalhar mais para, com isso, salvar as empresas e os
empregos. Jornadas legais extensas coexistem com jornadas
negociadas curtas. A primeira é fator de segurança para as
horas de necessidade. A segunda é fator de conveniência
para os que podem praticar jornadas curtas sem prejudicar
a competitividade e os empregos. Querer meter uma
camisa-de-força em todas as empresas de norte a sul do
País e para qualquer conjuntura econômica é engessar a
economia e o mercado de trabalho. Ademais, muitas
profissões já possuem jornadas legais mais curtas, como é
o caso dos bancários, digitadores, telefonistas, advogados
e de 25 outras.
Oxalá as recentes decisões da França e da União
Européia tragam luzes aos que desejam regular o trabalho
por mais rigidez de uma legislação que já complica
bastante as relações do trabalho e inibe a geração de
empregos.
*José Pastore é professor de relações do trabalho
da Universidade de São Paulo. Site: www.josepastore.com.br
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