|
|
Prestamos Consultoria para todo o Brasil, Chile,
Argentina, México, Itália, Portugal e Espanha.
Entre em contato
011 4666-7845 e 9154-9354
contato@faccin.com.br
|
|
|
|
Inversão perigosa de papéis
|
| 01/11/2007
|
As empresas estão tomando para si a
responsabilidade por serviços "públicos", como educação
e saúde -- e essa é uma distorção perigosa
Por Ana Luiza Herzog
para a revista Exame
No final de 2006, 240 alunos do terceiro ano do
ensino médio do Centro de Ensino Experimental Ginásio
Pernambucano, localizado em Recife, prestaram
vestibular. Todos os estudantes passaram. Metade deles
conquistou uma vaga numa das três melhores instituições
de ensino superior do estado -- a Universidade Federal
de Pernambuco, a Universidade de Pernambuco e a
Universidade Católica de Pernambuco. Os outros 120
estudantes foram aprovados em universidades privadas de
menos renome. O que torna esses números surpreendentes é
o fato de que esses jovens se formaram numa escola
pública. Em sua maioria, eles vêm de famílias cuja renda
mensal não supera dois salários mínimos. Até o início
desta década, seria impossível pensar que os estudantes
do Ginásio Pernambucano, como é localmente conhecido,
pudessem ter esse desempenho. Primeiro, porque a própria
sede da escola, uma construção histórica e imponente
tombada pela Unesco, estava literalmente caindo aos
pedaços -- a situação era tão crítica que, por
segurança, os alunos haviam sido transferidos para outro
prédio. Em segundo lugar, porque a qualidade do ensino
que ali se praticava deixava muito a desejar, para dizer
o mínimo. "Como na maioria das escolas públicas, o
Ginásio Pernambucano tinha altas taxas de evasão e
repetência", afirma Thereza Barreto, diretora do colégio
desde 2004.
No início do ano 2000, porém, um plano de resgate
para salvar as instalações e a qualidade da educação
oferecidas pela escola foi colocado em prática. A ação
foi encabeçada pelo pernambucano Marcos Magalhães, que
até abril de 2007 ocupou o cargo de presi-dente da
Philips para a América Latina e desde então dedica-se à
presidência do conselho da operação brasileira.
Sensibilizado pela decadência da escola onde estudaram
os escritores Ariano Suassuna e Clarice Lispector (além
dele próprio), Magalhães conse-guiu recursos da Philips
e de outras empresas, como Odebrecht, ABN Amro e Chesf,
para restaurar o prédio. A reforma, que custou cerca de
2,5 milhões de reais, começou em 2000 e levou dois anos
para ser concluída. A iniciativa de Magalhães e das
empresas envolvidas nessa história só pode ser louvada
-- uma escola capaz de preparar alunos para o vestibular
é muito melhor que uma instituição decrépita. Errado é
achar que o preenchimento do vácuo deixado por um Estado
que arrecada impostos para suprir as demandas sociais
pela iniciativa privada seja algo normal ou desejável.
"As doações e os serviços sociais prestados pelas
empresas não devem substituir a ação que os governos de
nações que se julgam avançadas devem prover à
população", afirma Robert B. Reich, professor de
políticas públicas da Universidade da Califórnia.
Ex-secretário do Trabalho durante o governo Bill
Clinton, Reich reacendeu o debate sobre a
responsabilidade social das empresas no recém-lançado
livro Supercapitalism -- The Transformation of Business,
Democracy, and Everyday Life (em tradução livre |
|
"Supercapitalismo -- A transformação dos negócios, da
democracia e da vida cotidiana", ainda não lançado no
Brasil). Na obra, ele discorre sobre o enfraquecimento
do sistema democrático nos Estados Unidos e no resto do
mundo nos últimos 30 anos e, sobretudo, sobre o risco de
a população acreditar que as empresas vão resolver os
grandes dilemas que o planeta vive hoje. Como o
economista Milton Friedman, Reich acredita que a
responsabilidade das empresas é apenas dar lucro -- e
que a saúde e a educação dos cidadãos são um problema
do Estado.
No Brasil, a polêmica sobre o papel das empresas e do
Estado ganha contornos mais dramáticos. "No mundo todo
as empresas se adaptam ao Estado que têm, e as nossas se
adaptaram a um que não funciona", diz Marcos Kisil,
presidente do Instituto para o Desenvolvimento do
Investimento Social (Idis), ONG que ajuda companhias de
todo o país a estruturar projetos sociais. "Nenhuma
empresa quer substituí-lo, mas simplesmente corrigir as
ineficiências que as impedem de funcionar." O perigo,
segundo uma corrente de especialistas da qual Reich faz
parte, é que a população e o próprio governo se
convençam de que, ao assumir projetos ligados a áreas
como saúde, educação ou segurança, as empresas não estão
fazendo mais do que sua obrigação. Assim como é
obrigação de todos pagar seus impostos em dia. Trata-se
de um risco real. Um levantamento da consultoria Market
Analysis Brasil mostra que 65% da população acredita que
cabe às em-presas resolver questões de impasses sociais
-- o índice mais elevado entre os 25 países pesquisados
(veja quadro ao lado). "Existe uma cobrança exagerada em
cima das empresas e ela é estimulada pelo próprio
governo", afirma Wilberto Luiz Lima Junior, diretor de
responsabilidade social da Klabin. "A questão é que
pagamos impostos e já compartilhamos nosso lucro com
centenas de funcionários que recebem salários e
benefícios e que, com isso, movimentam a economia." Em
outras palavras, como mostra a pesquisa, no Brasil os
papéis estão cada vez mais embaralhados. |
|
ESSE CENARIO COLOCA AS EMPRESAS
NUMA SINUCA: se não aceitam resolver questões sociais,
são malvistas por consumidores e pelas comunidades; se
tomam para si essa tarefa, podem acabar com
bombas-relógio nas mãos. Driblar esse impasse exige um
planejamento cuidadoso. Em janeiro de 2005, a
subsidiária brasileira da Unilever decidiu "adotar" o
município de Araçoiaba, no estado de Pernambuco, onde
possui quatro fábricas.
A meta da multinacional anglo-holandesa era
articular uma série de ações para elevar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), indicador usado pelas
Nações Unidas para avaliar a qualidade de vida de uma
região. À época, o IDH de Araçoiaba Araçoiaba era um dos
mais baixos do estado. Para minimizar os riscos, desde o
início a Unilever definiu regras claras para o projeto.
Ele se encerraria em dezembro de 2007 (prazo que poderia
ser prorrogado por, no máximo, mais um ano), consumiria
3 milhões de reais da empresa e, o mais importante, não
deveria suplantar o papel do Estado. "No início, a
população passou a nos ver como solução para todos os
problemas e, se deixássemos, a prefeitura nos colocaria
mesmo para atuar em todas as frentes", diz Elaine
Molina, gerente de responsabilidade social da empresa.
A estratégia foi condicionar a entrega de benfeitorias
à mobilização da comunidade e do poder público. Para
ganhar uma escola nova, por exemplo, a prefeitura teve
de ajudar a Unilever a alfabetizar 2 000 pessoas.
"Estabelecer esse tipo de relação de barganha é saudável
e evita que o poder público se isente de sua
responsabilidade", diz a americana Christine Letts,
especialista em filantropia e liderança para
instituições sem fins lucrativos da Universidade
Harvard. |
|
Em
dezembro deste ano, como planejado, a Unilever deixará
Araçoiaba. O IBGE deverá medir o IDH da cidade em
dezembro e divulgá-lo ao longo de 2008. "Como
trabalhamos muito nas áreas de saúde, educação e geração
de renda, temos certeza de que vamos conquistar nossa
meta", afirma Elaine. Para terminar o projeto com a
certeza de que não gastou dinheiro ou energia em vão, a
Unilever tomou alguns cuidados. Um deles foi estimular a
aprovação de uma lei municipal para que o Centro de
Saúde Infantil, no qual a empresa investiu 120 000
reais, receba mensalmente uma verba do governo capaz de
garantir seu futuro. Com ajuda do centro, que atende
crianças de zero a 5 anos e gestantes, o município
conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade infantil.
Em janeiro de 2005, de cada 1 000 bebês que nasciam em
Araçoiaba, 36 morriam antes de completar 1 ano de vida.
Em dezembro de 2006, segundo a Secretaria Estadual de
Saúde, a taxa havia sido reduzida para seis. A mesma
estratégia de blindagem foi usada por Marcos Magalhães
para garantir a perenidade do projeto educacional para
os alunos de ensino médio. Ele conseguiu que duas leis
estaduais fossem aprovadas. Uma regulamentou o modelo de
19 escolas que, assim como o Ginásio Pernambucano,
passaram a funcionar em horário integral. A outra lei
regulamentou a criação de um departamento dentro da
Secretaria Estadual de Educação, com autonomia técnica,
administrativa e financeira para gerir essas escolas.
Segundo o americano Reich, criar regras claras e
formais que definam o papel do Estado e da iniciativa
privada é premissa fundamental. O estabelecimento desse
código de conduta não apenas ajudaria a minimizar o jogo
de empurra-empurra entre as partes como ainda evitaria
que as empresas usassem as ações de responsabilidade
social como peça de marketing -- atitude que, segundo
ele afirma em seu livro, está se tornando cada vez mais
comum. Reich não é o único a desconfiar das boas ações
propagadas pelas empresas. Numa recente reportagem da
revista Business Week, a real envergadura das
iniciativas frente à crise ambiental do planeta foi
questionada pelo ambientalista Auden Schendler. Cria do
Rocky Mountain Institute, renomada instituição ambiental
sediada em Aspen, Schendler foi contratado em 1999 para
ser o executivo de sustentabilidade do Aspen Skiing
Company, um dos resorts de inverno mais luxuosos do
mundo. Oito anos depois, ele continua no posto -- mas se
diz desanimado. Schendler afirma que não tem mais a
convicção de que as empresas estão realmente dispostas a
fazer sacrifícios, mesmo que haja retorno no longo
prazo, para atuar de maneira ambientalmente correta.
"Implementei um monte de projetos vistosos, mas não
consegui fazer o que me propus", afirmou ele à revista.
Um desses fracassos está relacionado à diminuição do
consumo de energia elétrica. Segundo Schendler, a
empresa preferiu comprar novos equipamentos para os
praticantes de esqui a reformar velhas acomodações do
hotel que gastam muita energia. Robert Reich e Auden
Schendler podem até ser considerados céticos radicais. O
mundo em que vivemos continuará a colocar na balança as
atitudes das empresas diante da sociedade e do meio
ambiente. Mas pode ser ingênuo e até arrogante achar que
as corporações podem tomar conta do mundo. Assim como
pode ser irresponsável agir como se o Estado --
legitimado por nós mesmos -- nada mais tenha a ver com
os pro-blemas que estão aí.
"As empresas só existem para dar
lucro"
| 01.11.2007
O ex-secretário do Trabalho de Bill Clinton
Robert B. Reich diz que o movimento de responsabilidade
corpo-rativa é uma farsa
EXAME
Na economia que prevalece hoje no mundo, que o
senhor batizou de supercapita-lismo, não há empresa
socialmente responsável ou virtuosa?
Não. Empresas não são pessoas. Elas não têm uma
bússola moral e existem para um único propósito:
oferecer boas oportunidade para os consumidores como
forma de maximizar o lucro para os acionistas. Esperar
que elas façam qualquer coisa que não seja isso é
acreditar numa ilusão.
Estamos então sendo enganados pelas empresas?
É claro. As empresas gastam milhões em relações
públicas e passamos a acreditar que elas têm
personalidade, que são boas ou más, que são instituições
criadas para atingir fins públicos. Elas não são. Na
prática, elas estão dando passos muito pequenos e não
vão sacrificar o retorno aos acionistas em prol de um
bem social.
Então o movimento de responsabilidade social é
uma falácia?
Esse movimento distrai as pessoas do problema
real e mais difícil, que é limpar e aperfeiçoar a
democracia. Shows de responsabilidade corporativa levam
os cidadãos a acreditar que os problemas sociais estão
sendo endereçados e que eles não precisam se preocupar
em fazer com que a democracia funcione e dê respostas
para os dilemas. Eu não tenho objeções às ONGs
pressionarem uma ou outra empresa para agir de certa
maneira. O que elas não devem fazer é achar que essas
pressões são substitutos para leis e regulamentações.
As doações e os serviços sociais prestados pelas
empresas, por exemplo, não devem substituir aqueles que
os governos de nações que se julgam avançadas devem
prover à população. Quando políticos louvam ou culpam
companhias, eles dão ainda mais fôlego para essa noção
equivocada.
Como assim?
Google, Microsoft e Yahoo! tiveram de se
apresentar a um comitê parlamentar no ano passado por
terem ajudado a China a reprimir os direitos humanos. Os
deputados criticaram ferozmente em público os
executivos, mas não fizeram nada mais. A população foi
levada a acreditar que alguma coisa aconteceria. O que
os políticos deveriam e poderiam fazer, se realmente
quisessem mudar o comportamento dessas empresas, era
passar uma lei proibindo as companhias americanas de
cooperar com a China.
Apesar das críticas de hoje, o senhor já foi um
entusiasta da responsabilidade social corporativa. O
que o fez mudar?
Pregava essa doutrina antes de o mundo entrar no
supercapitalismo. Há 35 anos era possível que uma
companhia fosse socialmente responsável porque seus
presidentes tinham muita autonomia. Hoje eles não têm
mais. Empresas que lá atrás eram reconhecidas por sua
ação socialmente responsável, como The Body Shop e
Levi's, foram atropeladas pelo acirramento da competição
e perceberam que não podiam se dar ao luxo de
sacrificar o lucro em prol de uma causa social.
E hoje o senhor defende empresas como o Wal-Mart
...
O Wal-Mart já foi alvo de muitas críticas, porque
paga salários baixos, espreme fornecedores e destrói o
pequeno varejo. Mas a empresa está simplesmente sendo
conduzida por consumidores -- que querem pagar o menor
preço possível pelos produtos -- e por investidores --
que querem ganhar mais a cada trimestre. O Wal-Mart
segue as regras do jogo.
No Brasil, de acordo com pesquisas, há muita
expectativa dos cidadãos em relação às empresas
resolverem questões sociais. Qual sua opinião sobre
isso?
É um mito perigoso esse de que as companhias vão
resolver problemas sociais por conta própria. A não ser
que elas sejam induzidas ou forçadas. Por que o fariam?
Elas fazem apenas o mínimo para garantir sua reputação.
Se os brasileiros estão desiludidos com a falta de
habilidade do governo em fazer o que precisa ser feito,
eles precisam concentrar seus esforços diretamente no
governo. As empresas não vão preencher as lacunas
sociais do país.
Mais
Artigos |
|
|
|