José Pastore*
A contenda entre Brasil e
Espanha reflete o grave dilema que vive a Europa. O
Continente enfrenta os sérios problemas da baixa
natalidade e do envelhecimento acelerado da sua
população.
É verdade que, no mundo inteiro, os países
envelhecem. Mas há diferenças entre eles. Em 2050, a
média de idade dos americanos, por exemplo, será de
apenas 36 anos. Entre os europeus, será de 53 anos. É
uma distância colossal. A proporção de americanos com
mais de 65 anos na força de trabalho será de 40%,
enquanto a de europeus será de 60%, com graves
conseqüências para o déficit previdenciário.
A Europa precisa desesperadamente de migrantes.
Eis o dilema. O terrorismo aumentou a suspeita em
relação à gente estranha. As insurreições ocorridas na
Espanha e na França soaram como ameaça. O esfriamento da
economia da Espanha agravou o quadro.
O consumo privado espanhol, que aumentou 4,2% em
2005, crescerá apenas 2,7% em 2008. A formação bruta de
capital, que cresceu 6,9% em 2005, aumentará apenas 1,2%
em 2008. O crescimento econômico será de cerca de 3%, e
o desemprego, de mais de 8% em 2008, encerrando, assim,
um longo período de economia crescente e desemprego
cadente.
Com isso, a Espanha se fecha. Isso ocorre em toda
a Europa, o que é intrigante, pois a alma da idéia da
Comunidade Européia era o livre trânsito das pessoas.
Hoje, o medo dos imigrantes é visível e fala mais alto.
Ora são motivos religiosos ou culturais, ora são razões
econômicas e sociais.
A xenofobia se generaliza. Por todos os lados,
dificulta-se cada vez mais a entrada de estrangeiros.
Quando entram para trabalhar, mesmo os bem-educados são
obrigados a aceitar contratos por prazo determinado. É
exatamente aqui que se dá uma competição furiosa com os
trabalhadores locais. Sim, porque, com uma força de
trabalho de 22 milhões de pessoas, há cerca de 6 milhões
de espanhóis trabalhando com contratos temporários.
O primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero,
que já foi mais liberal para com os imigrantes, decidiu
mostrar os dentes a todos os que, apesar de
estrangeiros, poderiam ameaçar seus votos. Foi mais
ágil. Endureceu com os imigrantes e ganhou a última
eleição.
Paradoxalmente, os estudos mostram que, nos
últimos dez anos, os imigrantes foram o fator principal
do progresso da Espanha. Entre 1995 e 2005, cerca de 79%
do crescimento demográfico foi por causa da imigração
(Carlos Alfieri, Spain: Immigrants make the economy grow,
IPS - International Press Service, 30/8/07).
A política atual da Espanha e de toda a União
Européia é atrair profissionais altamente qualificados e
rejeitar os não qualificados. Os requisitos de entrada
para os primeiros foram flexibilizados. Para os demais
foram enrijecidos. (Christina Boswell, Migration in
Europe, Global Commission on International Migration,
Genebra, 2005).
Não há nada de pessoal contra os brasileiros que
foram deportados da Espanha. As autoridades espanholas
devem ter interpretado a tentativa de entrada dos
estrangeiros como uma ameaça à luta cerrada que se dá no
mercado de trabalho. A posição do governo foi firme e
continuará assim. Só entra quem é absolutamente
necessário. Para os demais, procuram-se penas nos ovos
para evitar a entrada. A ação diplomática é útil, mas é
ilusório que ela consiga anular as causas acima
indicadas.
Resta saber por quanto tempo a Espanha e os
países da Europa poderão dispensar a colaboração dos
migrantes, em especial a dos menos qualificados. Para
manter essa posição, muitas modificações terão de
ocorrer nos hábitos dos povos, porque, hoje em dia,
poucos são os que se submetem a trabalhos braçais e de
baixa qualificação. A maioria quer manter-se na dolce
vita das jornadas reduzidas, que permitem parar de
trabalhar ao meio-dia das sextas-feiras e nas férias
prolongadas dos meses de julho e agosto. Enfim, o
estancamento da migração terá um custo social para quem
cultiva o conforto atual.
Alguns sinais dessa mudança já começaram a
surgir, em especial na Alemanha, onde os contratos de
trabalho estão sendo renegociados, com ampliação de
jornada pelo mesmo salário. É provável que esse
movimento se alastre. Mas, no longo prazo, vai faltar
gente e os países vão precisar de estrangeiros. Quem
viver verá.
*José Pastore é professor da FEA-USP. E-mail:
jpjp@uninet.com.br
Site: www.josepastore.com.br
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