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Rússia vê naufrágio do modelo Putin
 

Anders Aslund, The Washington Post - O Estadao de S.Paulo
 
Uma semana recente em Moscou deixou a nítida impressão de que o modelo de capitalismo de Estado do compadrio, concebido pelo atual premiê e ex-presidente Vladimir Putin, está acabado. Por anos, a estrutura engendrada por Putin parecia invencível, com a economia registrando altas e vigorosas taxas de crescimento, e uma repressão moderada, mas efetiva. Contudo, o sistema apenas distribuía suas enormes receitas do petróleo para as elites e o cidadão comum, sem criar algum valor econômico ou social.

Hoje, a conta deve ser paga. Em 2009, o Produto Interno Bruto do país despencou 7,9%, embora Moscou tivesse a terceira maior reserva cambial internacional do mundo. Do grupo das 20 potências econômicas principais, a Rússia foi a de pior desempenho. E à medida que as elites percebem que o modelo Putin fracassou, a oposição ao governo cresce.

Numa conferência empresarial em Moscou, este mês, o amável vice-primeiro-ministro Igor Shuvalov enfrentou insinuações de que o Bric, esse colosso formado pelas economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, está se reduzindo a um BIC, por causa do péssimo desempenho da Rússia. Indagado sobre as respostas dadas por seu país à crise econômica global, Shuvalov ficou na defensiva, afirmando que as medidas adotadas pela Rússia foram bem sucedidas.

Mas os números não mostram isso. O problema da Rússia é maior do que suas limitações quotidianas. As finanças públicas estão em boa condição; sua conta corrente é saudável. No entanto, durante o segundo mandato de Putin como presidente, de 2004 até 2008, as empresas voltaram a ser estatizadas, começando pelo confisco da petrolífera Yukos.

Hoje, grande parte da economia está dominada por empresas estatais monopolistas como a Gazprom, a Russian Railways, Russian Technologies, Transneft e um punhado de bancos. São geridas por gente de confiança de Putin, amigos próximos dele desde seu tempo de KGB.

Essas enormes empresas estatais respondem por grande parte, se não todo, do declínio do PIB russo no ano passado. São um buraco negro de ineficiência. Seus líderes não sabem como dirigir uma companhia, e isso se traduz em resultados financeiros medíocres, enormes subsídios estatais, serviços miseráveis e uma enorme corrupção.

Quando os preços do petróleo eram altos o bastante para manter o circo em movimento, as elites não se queixavam. As táticas do governo no caso da Yukos, incluindo a invenção de acusações contra o ex-chairman da companhia, Mikhail Khodorkovski, ensinou-as a se manter quietas e, além disso, elas estavam bem financeiramente. Hoje, contudo, a corrupção estimulada pelas empresas estatais colocou a Rússia atrás dos outros países em termos de desempenho.

Putin e seu capitalismo de Estado é que são os responsáveis. O setor estatal expandiu quando ele estava no poder, de acordo com o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento; a Rússia ficou menos competitiva e mais corrupta, de acordo com a organização Transparência Internacional. O ambiente empresarial piorou, diz o Banco Mundial. Na Rússia, a corrupção é tamanha que o país não consegue ampliar sua rede rodoviária desde 2000.

Esses fatos ficaram conhecidos nos últimos anos, mas somente porque as elites russas começaram a sentir os efeitos é que as pessoas começaram a protestar.

REPERCUSSÃO POLÍTICA

A elite vem fazendo tantas críticas a ponto de 2010 já mostrar alguma semelhança com 1987, ano em que a política de abertura, a glasnost , de Mikhail Gorbachev, nasceu. O Instituto do Desenvolvimento Contemporâneo dirigido por Igor Yurgens e presidido por ninguém menos que Dmitri Medvedev, assumiu a liderança com um apelo em favor de um liberalismo mais ocidental, defendendo a dissolução do Ministério do Interior e do FSB, órgão sucessor da KGB. Em 18 de fevereiro, Medvedev seguiu o conselho do Instituto e demitiu 17 oficiais do alto escalão da polícia. Em dezembro, o antigo cortesão do Kremlin, Gleb Pavlovski, chegou a pedir a Putin que se aposentasse, dizendo que o primeiro-ministro é obsoleto.

Surpreendentemente, uma das mais importantes forças atuando contra Putin é Vladislav Surkov, o eterno vice-chefe de gabinete da presidência. Uma outra sacudida verificou-se quando as autoridades autorizaram mais de 10 mil pessoas - uma multidão para os padrões na Rússia - a realizar uma manifestação em Kaliningrado, em 30 de janeiro, apesar de o protesto ser dirigido contra Vladimir Putin e o governador da região.

O subordinado de Surkov, que supervisiona a política interna na região noroeste da Rússia, foi exonerado imediatamente, um fato raro na Rússia de Putin. Os rumores que correm em Moscou é que Putin acusou Surkov de ter permitido que a manifestação se realizasse.

Os russos hoje têm menos medo do que anos atrás e estão até envergonhados da covardia que mostravam antes. Entre os que se juntaram a esse novo posicionamento estão o respeitado ministro das Finanças, Alexei Kudrin, que criticou publicamente o partido Rússia Unidade Putin, e Sergei Mironov, partidário de Putin que preside o Conselho da Federação Russa.

Embora Medvedev seja amplamente desaprovado no plano interno e no exterior, isso pode ser muito bom para ele. O presidente criticou publicamente as empresas estatais, a ineficácia da lei e a corrupção, dando uma abertura para aqueles que querem mudanças e oferecendo uma plataforma alternativa de poder. Em outras palavras, a Rússia finalmente está vivenciando um degelo no meio do inverno.
 
 

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