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Terceirização, anomia inadmissível

(ausência de leis, de normas ou de regras de organização)
 
Vantuil Abdala*
 
Todos sofrem as conseqüências da total ausência de normatização no campo dos serviços terceirizados: os trabalhadores, porque são vítimas das fraudes por parte de prestadoras de serviço inidôneas; as prestadoras de serviços idôneas, pelas conseqüências à imagem negativa da sua atividade e ainda pela concorrência predatória; as tomadoras de serviços de boa-fé, pela indefinição e insegurança jurídicas; e por fim o próprio Estado, vítima não só como tomador de serviços, mas também como arrecadador do que lhe é devido por contribuições fiscais e previdenciárias. Some-se a isso a questão grave relativa à saúde e à segurança na prestação de serviços terceirizados.

Não se trata mais de ser contra ou a favor da terceirização. Está-se diante de uma realidade inexorável: a terceirização não vai acabar. Ninguém razoavelmente imagina uma economia saudável no Brasil se a contratação de empresas especializadas na execução de serviços determinados fosse impossibilitada. Estamos, pois, diante da advertência de George Ripert: “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito.”
E, de fato, a realidade tem se vingado por esta anomia. Basta verificar que no Tribunal Superior do Trabalho (TST) existem 9.259 processos em que o trabalhador cobra do tomador de serviços os direitos que não conseguiu receber da prestadora.
Se considerarmos que chegam à Corte Superior trabalhista menos de dez por cento de todas as ações ajuizadas por empregados no País, podemos ter uma idéia da dimensão da insegurança jurídica e da litigiosidade que tem gerado a ausência de regulamentação desse tipo de contratação.

É necessário que se estabeleçam requisitos para a criação e o funcionamento de empresas de prestação de serviços a terceiros, a delimitação do objeto do contrato e a forma de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte destas.
Precisam ser definidos a extensão e o grau da responsabilidade do tomador de serviços, quanto ao direito dos empregados da empresa prestadora, quando ela não tem idoneidade econômico-financeira para suportar os respectivos encargos.

As questões relativas às condições de segurança, higiene e salubridade no ambiente de trabalho merecem especial atenção, até por respeito à dignidade do trabalhador. Atento a este princípio fundamental e, ainda, ao princípio da isonomia, preocupa a situação em que o trabalhador terceirizado executa os mesmos serviços que o empregado da empresa tomadora, mas em condições inferiores.

Igualmente, na área estatal, impõe-se a regulamentação desse tipo de contratação, cada vez mais utilizada e deturpada, até como fraude ao mandamento constitucional da admissão no serviço público mediante concurso.

Não é demais considerar, ainda, a hipótese da utilização do contrato com empresa de prestação de serviços na área pública para interesses outros, nem sempre confessáveis, como o nepotismo e até para sub-reptícia fonte de arrecadação de fundos de campanha eleitoral.

Juntem-se a isso as questões atinentes a dano moral, discriminação, assédio sexual e pontificação da responsabilidade, tudo a justificar a urgente normatização do instituto.
O Direito do Trabalho, nas palavras de Rafael Caldera, “não pode ser inimigo do progresso, porque é fonte e instrumento do progresso. Não pode ser inimigo da riqueza, porque sua aspiração é que ela alcance um número cada vez maior de pessoas. Não pode ser hostil aos avanços tecnológicos, pois eles são efeitos do trabalho. Sua grande responsabilidade atual é conciliar este veloz processo de invenções que, a cada instante, nos apresenta novas maravilhas com o destino próprio de seus resultados, que deve ser não o de enriquecer unicamente uma minoria de inventores, mas o de gerar empregos que possam atender os demais e oferecer a todos a possibilidade de uma vida melhor”.

Não se pode marchar indiferente na contramão da história. A normatização, como expressão do Direito, deve se adequar aos novos fatos da vida social, sob o imperativo do resguardo da dignidade do trabalhador, é verdade, mas compatibilizando-se com o econômico legítimo, pois ambos deságuam no mesmo estuário do bem comum.
 

*Vantuil Abdala, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, é presidente da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos do TST e professor do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB)

 

 

 

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