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TV digital, um espetáculo
sem espectadores
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Ethevaldo Siqueira
– 2/12/07 |
Finalmente, resta a opção polêmica já pensada pelo
governo para antecipar a universalização da TV digital:
distribuir milhões de set-top boxes para simples
recepção, a preços simbólicos, altamente subsidiados,
para a maioria dos domicílios pobres do País. Uma
espécie de Bolsa TV.
O QUE FALTOU
Em lugar de um projeto sério, capaz de superar
todos os desafios, o governo criou expectativas
irrealistas quanto à TV digital. Ainda em 2005, o
ministro das Comunicações, Hélio Costa, dizia que a
Grande São Paulo poderia ver a Copa do Mundo de 2006 com
imagens da TV digital. Depois, insistiu na possibilidade
de set-top boxes a R$ 200 ou menos. Prometeu
interatividade, mobilidade e multiprogramação, mesmo
diante da opinião contrária de especialistas quanto ao
prazo para a disponibilidade desses avanços.
Os escassos recursos destinados às pesquisas
foram sempre pagos com atraso, impedindo, por exemplo,
que o desenvolvimento do middleware Ginga fosse
concluído em tempo para ser incorporado ao projeto.
Nenhuma estratégia industrial foi posta em
prática para reduzir o preço final dos set-top boxes.
Hélio Costa preferiu transformar a questão num grande
bate-boca, em lugar de lutar pela isenção ou pela
redução dos tributos que oneram a importação de
componentes eletrônicos. Ou por financiamentos e
incentivos que pudessem baixar o preço final dos
sintonizadores - à semelhança do que tem sido feito com
pleno êxito na área de computadores. Só agora é que o
governo acena com a perspectiva de financiamento. Em
resumo, do lado governamental sobrou discurso populista
e faltou apoio concreto aos players envolvidos.
As emissoras de TV, muito mais pragmáticas,
fizeram sua lição de casa e estão preparadas para a
transmissão de programas, embora com pouco conteúdo de
alta definição. E a boa notícia nesse segmento é a
contribuição da indústria nacional, desenvolvendo e
fabricando os primeiros transmissores para TV digital,
com a participação direta de universidades e do
Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel).
ATÉ 15 ANOS
Implantar a TV digital é um processo
inexoravelmente longo, aqui como em todo o mundo. Mesmo
sendo a TV aberta uma paixão nacional, com uma taxa de
penetração de 93% dos domicílios, a implantação da nova
geração digital na maioria dos lares do País deverá
levar de 12 a 15 anos. É claro que podemos ter surpresas
com a evolução tecnológica. Uma das alternativas
tecnológicas mais promissoras à TV digital de hoje é a
TV sobre protocolo da internet, ou IPTV, que pode
oferecer opções mais baratas e qualidade comparável à
alta definição de hoje.
O grande obstáculo à digitalização no Brasil é,
sem dúvida, o baixo poder aquisitivo de sua população.
Por isso, daqui a 5 anos, a TV digital no Brasil não
deverá alcançar mais do que 15% das residências -
estimam alguns especialistas. Nos Estados Unidos, depois
de 9 anos da introdução da nova tecnologia, apenas 38%
dos domicílios dispõem de TV digital. Na França, depois
de 8 anos, esse percentual é ainda menor: 31%. No Japão,
após 3 anos, são 15%.
Outro problema é a dificuldade do cidadão em
entender exatamente quais são as vantagens da nova
tecnologia, em especial se o consumidor já conta com
imagem de boa qualidade, ou de definição padrão (chamada
de standard definition).
POUCA ATRAÇÃO
Em 1972, o Brasil inaugurou sua TV em cores. Na
época, passar do branco e preto para as cores tinha
muito maior impacto do que tem hoje a simples recepção
de um sinal digital em standard definition - que acabará
sendo a única opção econômica da maioria dos
consumidores.
Poucos parecem estar dispostos a investir R$ 400
ou 500 num set-top box para garantir simplesmente a
recepção de sinais digitais, porque esse preço está fora
do alcance de 70% da população.
Muito diferente é a situação dos consumidores de
alto poder aquisitivo, acostumados ao home theater e ao
visual dos monitores de 42 ou 50 polegadas, de plasma ou
LCD, à espera do grande salto da alta definição na TV
aberta, na TV a cabo, nos DVDs Blu-ray ou HD-DVD.
A TV digital brasileira estréia hoje na Grande
São Paulo. Para quase ninguém. Anunciada como a mais
avançada do mundo, ela começa sem interatividade, sem o
software operacional Ginga e sem mobilidade. Segundo as
perspectivas mais otimistas, apenas 20 mil
telespectadores - dos 20 milhões de habitantes da região
metropolitana - verão as imagens do padrão
nipo-brasileiro que o País inaugura hoje. Nas pesquisas
de audiência, 20 mil pessoas são representadas por um
traço. Quer dizer: Ibope zero.
Esses números não significam nenhum fiasco da TV
digital como tecnologia. Mostram apenas que estamos
diante de um projeto mal conduzido. Há 15 dias, os
paulistanos ainda não tinham onde comprar sintonizadores
digitais ou conversores (set-top boxes), nem televisores
completos aptos a receber as imagens da nova TV. E,
agora, quando os conversores chegam às lojas, seus
preços, entre R$ 400 e R$ 1.500, assustam o consumidor
de classe média e afugentam a grande maioria de baixa
renda.
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