|
|
Prestamos Consultoria para todo o Brasil, Chile,
Argentina, México, Itália, Portugal e Espanha.
Entre em contato
011 4666-7845 e 9154-9354
contato@faccin.com.br
|
|
|
|
Um país de todos?
|
Demétrio Magnoli para o Jornal O
Estado de São Paulo (excerto)
|
O lulismo não é a política
macroeconômica do governo, tomada de empréstimo de FHC,
mas uma concepção sobre o Estado. A sua vinheta de
propaganda, divulgada com dinheiro público pelo
marketing oficial, diz que o Brasil é "um país de
todos". Eis a mentira a ser exposta. O Estado lulista é
um conglomerado de interesses privados. Nele se acomodam
a elite patrimonialista tradicional, a nova elite
política petista, grandes empresas associadas aos fundos
de pensão, centrais sindicais chapa-branca e movimentos
sociais financiados pelo governo.
O Brasil não é "de todos", mas de alguns: as
máfias que colonizam o aparelho de Estado por meio de
indicações políticas para mais de 600 mil cargos de
confiança em todos os níveis de governo. Num "país de
todos", a administração pública é conduzida por uma
burocracia profissional. O Brasil do lulismo, no qual
José Sarney adquiriu o estatuto de "homem incomum", não
fará uma reforma do Estado. Estaria Serra disposto a
erguer essa bandeira, afrontando o patrimonialismo
entranhado em sua própria base política?
O Brasil não é "de todos", mas de alguns: Eike
Batista, o sócio do BNDES, "o melhor banco de fomento do
mundo", nas suas palavras, do qual recebeu um presente
de R$ 70 milhões numa operação escabrosa no mercado
acionário. Também é o país dos controladores da Oi, que
erguem um semimonopólio a partir de privilégios
concedidos pelo governo, inclusive uma providencial
alteração anticompetitiva na Lei Geral de
Telecomunicações, e se preparam para formar uma parceria
com a Telebrás no sistema de banda larga. O lulismo
orienta-se na direção de um capitalismo de Estado no
qual o BNDES, as estatais e os fundos de pensão
transferem recursos públicos para empresários que
orbitam ao redor do poder. Teria Serra a coragem de
criticar o modelo em gestação, inscrevendo na sua
plataforma a separação entre o interesse público e os
interesses privados?
O Brasil não é "de todos", mas de alguns: a nova
burocracia sindical, cuja influência não depende do
apoio dos trabalhadores, mas do imposto compulsório de
origem varguista, repaginado pelo lulismo. Ousaria Serra
defender a adoção da Convenção 87 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), declarando guerra ao
neopeleguismo e retomando a palavra de ordem da
liberdade sindical que um dia pertenceu ao PT e à CUT?
Num "país de todos", o sigilo bancário e o fiscal
só podem ser quebrados por decisão judicial. No Brasil
do lulismo, como atestam os casos de Francenildo Costa e
Eduardo Jorge Caldas, eles valem menos que as
conveniências de um poder inclinado a operar pela
chantagem. Num "país de todos", a cidadania é um
contrato apoiado no princípio da igualdade perante a
lei. No Brasil do lulismo, os indivíduos ganham rótulos
raciais oficiais, que regulam o exercício de direitos e
traçam fronteiras sociais intransponíveis. Num "país de
todos", a política externa subordina-se a valores
consagrados na Constituição, como a promoção dos
direitos humanos. No Brasil do lulismo, a palavra
constitucional verga-se diante de ideologias propensas à
celebração de ditaduras enroladas nos trapos de um
visceral antiamericanismo. Estaria Serra disposto a
falar de democracia, liberdade e igualdade,
distinguindo-se do lulismo no campo estratégico dos
valores fundamentais?
O lulismo é uma doutrina conservadora que veste
uma fantasia de esquerda. Sob Lula, expandiram-se como
nunca os programas de transferência direta de renda, que
produzem evidentes dividendos eleitorais, mas pouco se
fez nas esferas da educação, da saúde e da segurança
pública. No país de alguns, os pobres não têm direito a
escolas públicas e hospitais de qualidade ou à proteção
do Estado diante do crime organizado. Teria Serra o
desassombro de deixar ao relento os Eikes Batistas do
mundo, comprometendo-se com um ambicioso plano de metas
destinado a universalizar os direitos sociais?
Há um subtexto na decisão de Serra de comparar
biografias. Ele está dizendo que existe um consenso
político básico, cabendo aos eleitores a tarefa de
definir o nome do gerente desse consenso nacional. É uma
falsa mensagem, que Lula se encarrega de desmascarar
todos os dias. Os brasileiros votarão num plebiscito
sobre o lulismo. Se Serra não entender isso, perderá as
eleições e deixará a cena como um político comum,
impróprio para circunstâncias excepcionais. Mas ele
ainda tem a oportunidade de escolher o caminho do
estadista e perder as eleições falando de política.
Nesse caso ? e só nesse! ? pode até mesmo triunfar nas
urnas.
SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. |
|
|
Outros Artigos |
|
|